Que? A Apple mudando de ideia e “dando para trás”? E em um assunto que a empresa rejeitava mais do que o Fernando Diniz como técnico da Seleção Brasileira? Como assim?
A Apple enviou uma carta de apoio a um projeto de lei na Califórnia que requer que fabricantes de eletrônicos forneçam peças e manuais a oficinas independentes e donos de equipamentos.
Isso é surpreendente, já que a Apple tem historicamente se oposto a legislações desse tipo. Então… o que está acontecendo? Por que a gigante de Cupertino mudou de ideia? E (o mais importante): quem é esse Skrull que ocupou o lugar do Tim Cook?
O que está por trás dessa mudança de posicionamento?
A carta foi endereçada à senadora Susan Talamantes Eggman e apoia o projeto de lei SB 244. A Apple afirma que apoia a lei para garantir maior acesso a reparos enquanto protege a segurança e privacidade dos cidadãos.
Ou seja, o argumento da gigante de Cupertino não está baseado único e exclusivamente na premissa de permitir ao cliente uma maior facilidade de reparação dos produtos de tecnologia, mas passa também por algo que a empresa defende como uma de suas bandeiras (ou como plataforma de promoção dos seus produtos): a privacidade dos usuários. E isso dá um contexto diferente à narrativa.
A empresa menciona que seus produtos são feitos para durar e que oferece opções de reparo seguras e de alta qualidade. O que, de fato, se confirma na prática: é difícil ver um produto da Apple dando problemas, mas também é difícil consertar um dispositivo da empresa por conta própria ou fora dos serviços de assistência técnica autorizadas.
Embora os iPhones tenham melhorado nas avaliações de reparabilidade, iPads, MacBooks e AirPods ainda enfrentam dificuldades de reparo, obrigando os usuários a encaminhar esses dispositivos para os serviços oficiais da Apple. Essa prática não só aumenta os custos para o consumidor final, como também atrela o cliente ao fabricante de alguma forma, aumentando os lucros da empresa naquilo que normalmente chamamos de “serviços atrelados”.
A Apple é a única empresa a expressar apoio a um projeto de lei desse tipo, algo raro entre as fabricantes, que normalmente se manifestam por meio de grupos ou consórcios. E isso chama ainda mais a atenção para a atitude da gigante de Cupertino sobre o tema: é uma visão individual que é diferente daquela que a empresa sempre pregou sobre seus produtos e serviços.
Insisto: um Skrull ocupou o lugar de Tim Cook, e queremos o executivo de volta o quanto antes.
Ou talvez não: quem sabe agora fica ainda mais fácil consertar o iPhone por conta própria.
Estão criando um precedente positivo dessa vez
A Apple oferece opções de conserto em casa em alguns países, mas essa opção não está disponível no Brasil, infelizmente. Porque vivemos em um país enorme, mas conceitualmente ferrado nos aspectos tecnológicos. E esperamos que a empresa do iPhone mude de ideia em relação ao nosso país: já temos o iPhone mais caro do mundo, e não precisamos ter o reparo desse smartphone como líder de ranking entre os mais caros também.
A mudança de postura da Apple pode ser relacionada à preparação para futuras regulamentações, como a da Califórnia. A tendência é que esse tipo de regulamentação feche o cerco para cima dos fabricantes de tecnologia, que terão que ser mais flexíveis sobre a questão com o passar do tempo.
O projeto de lei SB 244 inclui eletrônicos e eletrodomésticos na Califórnia, com algumas exceções como consoles de videogame. Outros 14 estados americanos possuem projetos semelhantes, e Nova York já tem uma lei de reparo justo em vigor.
Na União Europeia, a discussão sobre o direito ao reparo também é relevante, com a recente lei determinando a volta de baterias removíveis nos smartphones. E todas essas legislações estão criando precedentes positivos e a favor do consumidor, que precisam ter o direito de fazer com os seus produtos o que desejam (depois de pagar uma fortuna por eles), inclusive o direito a reparar por conta própria (assumindo as consequências desse reparo).
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que fabricantes e importadores devem fornecer componentes e peças de reposição durante a vida útil do produto, o que (em teoria) viabiliza o direito de reparação do usuário, mas não é exatamente uma legislação que respalde esse direito no sentido amplo. Por outro lado, nada impede que o cliente procure uma assistência técnica fora da Apple para trocar a tela do iPhone, por exemplo. O único ponto é que esse produto perde a sua garantia de fábrica ou pode ter recursos limitados se a decisão pela manutenção passar por um profissional alternativo.
Projetos de Lei no Brasil, como 5421/2019 e 6151/2019, estabelecem obrigações específicas para fabricantes de eletrodomésticos e eletrônicos neste aspecto, o que pode resultar em um efetivo direito de reparação no futuro.