O veto do Apple Watch Series 9 e do Apple Watch Ultra2 nos Estados Unidos durou exatamente um dia, e vários produtores de conteúdo (eu, inclusive) ficaram com cara de otário por causa da rápida resolução de um problema aparentemente complexo.
Como é importante saber como esse conflito foi resolvido, vale a pena perder algum tempo das minhas férias para atualizar o amigo leitor sobre os bastidores dessa briga entre Apple e Masimo.
Afinal de contas, as duas estão fermentadas no ódio há uma década, e tudo indica que a paz não vem tão cedo (principalmente se depender da Masimo).
Do começo, em 2013
O caso envolvendo a Apple e a Masimo tem raízes que remontam a um passado distante, quando a Apple ainda não dominava o mercado de relógios inteligentes. Na verdade, o Apple Watch em si sequer era um rumor.
Documentos judiciais revelam eventos que mostram que todo esse conflito entre as duas empresas começou há 10 anos, e os eventos subsequentes desencadearam a disputa atual.
Na madrugada de 2 de outubro de 2013, Tim Cook recebeu um e-mail de um pesquisador propondo uma tecnologia inovadora para saúde, fitness e bem-estar. Este e-mail foi o ponto de partida entre a disputa envolvendo Apple e Masimo, resultando no bloqueio do Apple Watch nos EUA por apenas 24 horas.
Marcelo Lamego, especialista em tecnologia médica, é recrutado pela Apple após ter trabalhado em empresas do ramo da tecnologia voltada para a saúde e o bem-estar…. incluindo a Masimo.
Sua rápida contratação levanta dúvidas sobre possíveis conflitos de propriedade intelectual. Afinal de contas, Marcelo não passou por aquilo que muitas empresas chamam de “período de quarentena” antes de assumir o seu posto na Apple.
Explicando de forma breve: em algumas empresas de diferentes setores, quando um profissional sai de uma empresa e vai para outra, ele passa por uma espécie de “quarentena”, para não compartilhar planos e segredos industriais de uma empresa para outra.
Neste período (que normalmente dura um ano), a empresa que perdeu aquele profissional tem tempo suficiente para reorganizar sua rota e mudar os seus principais planos, ou até mesmo acelerar lançamentos para evitar surpresas desagradáveis.
Lamego, durante sua breve estadia na Apple, solicitou patentes relacionadas à detecção de oxigênio no sangue. Essas patentes se tornam parte integrante da disputa legal entre Apple e Masimo.
A Masimo alega que as patentes solicitadas são de sua propriedade. A Apple alega que Lamego trouxe o conceito base, e a gigante de Cupertino fez todo o resto, sendo assim a criadora do sistema presente nos modelos do Apple Watch mencionados no processo.
Após um ano, Lamego deixa a Apple, devido a desacordos sobre orçamentos e liderança de equipes. Essa saída tem implicações significativas no desenvolvimento subsequente da tecnologia em questão.
O processo da Masimo
Em 2020, a Masimo processa a Apple, alegando roubo de segredos comerciais, incluindo a tecnologia de oximetria de pulso. O tribunal inicialmente declara o caso como nulo, mas uma série de eventos legais e comerciais faz com que a ação avance para instâncias superiores.
A Apple não deixou barato. Até porque Tim Cook não queria perder para uma empresa que tinha um valor de mercado simplesmente ridículo.
Então, a gigante de Cupertino contra processa a Masimo, acusando a empresa de copiar a sua tecnologia. O ciclo de ações legais culminou na tal proibição temporária dos modelos Apple Watch Series 9 e Apple Watch Ultra 2 nos EUA.
O veto ao Apple Watch no país aconteceu porque a Comissão de Comércio Internacional (ITC) determina que os relógios infringem as patentes de hardware da Masimo.
Muitos se perguntaram como a Apple deve sair dessa. E a resposta é a mais óbvia do mundo: com uma atualização de software.
Como a Apple resolveu o problema (por enquanto)
A Apple se comprometeu a trabalhar na modificação do software dos relógios inteligentes como uma resposta contundente ao processo movido pela Masimo.
Essa iniciativa foi o suficiente para que a proibição imposta pela justiça norte-americana fosse suspensa até 12 de janeiro de 2024. Ela valeu por apenas um dia. Algo surreal, mas é o que a Apple consegue com todo o seu poder concentrado.
Por outro lado, a Masimo insiste que as infrações se estendem também ao hardware, o que pode fazer com que este conflito alcance a Suprema Corte norte-americana.
O mais provável ainda é um acordo entre as duas partes. Em comum, temos a figura de Joel Kiani, que parece estar disposto a formalizar um acordo entre Apple e Masimo.
E esse é o tipo de acordo que é bom pra todo mundo.
A Masimo ganha uma bela grana pelo uso das patentes (e pelas unidades vendidas do Apple Watch que recebem a sua tecnologia), e a Apple continua a faturar com as vendas do produto.
Pode faturar um pouco menos, pois vai ter que dividir parte do bolo com a Masimo. Mas ao menos vê o dinheiro entrando na conta por causa das vendas dos produtos.
Tudo o que a Apple menos quer neste momento é deixar de ganhar algum dinheiro por causa da retirada do Apple Watch do mercado. Por isso, é mais do que esperado que os inimigos de uma década inteira entrem em acordo.
Afinal de contas, estamos falando de um negócio que hoje rende mais de US$ 17 bilhões para a Apple.
Convenhamos: não é pouca grana.