O filme francês “Emilia Pérez”, dirigido por Jacques Audiard, retrata a história de um traficante mexicano que passa por uma transição de gênero, explorando a temática trans sob uma ótica musical e artística.
A narrativa gerou aplausos pela inovação, mas também críticas severas por retratar temas sensíveis de forma superficial. A comunidade trans apontou a abordagem como um retrocesso, alegando que estereótipos negativos e uma visão problemática da transição permeiam o filme.
Sem falar nos mexicanos, que entendem que não se sentem representados por um filme cujo diretor não se deu ao trabalho de viajar até o México para entender melhor o contexto do povo que é elemento central da história que quer contar.
Além das polêmicas de escolhas de elenco e uso de Inteligência Artificial para a pós-produção do longa.
“Emilia Pérez” é um para-raios de problemas, mas parece que a Netflix não se incomodou com isso. Afinal de contas, o filme conseguiu 13 indicações ao Oscar 2025, incluindo Melhor Filme Internacional e Melhor Filme.
É o filme internacional com o maior número de indicações da história dos Academy Awards. E o principal adversário de “Ainda Estou Aqui” na edição 2025 da premiação.
Então… por que esse filme é tão odiado?
Motivos a seguir.
A controvérsia cultural e a representação mexicana
A produção gerou indignação no México ao abordar a guerra contra o narcotráfico — uma questão que já custou centenas de milhares de vidas no país — como pano de fundo de um musical.
Críticos mexicanos descreveram o filme como “eurocentrista e racista”, destacando a ausência de atores mexicanos em papéis principais e a superficialidade cultural.
Linguagem e sotaques foram duramente criticados por falta de autenticidade, intensificando as acusações de insensibilidade cultural.
“Emilia Pérez” é ambicioso na sua execução, e não se esperava menos de uma obra produzida pela Netflix, que está simplesmente obcecada para ter o seu primeiro Oscar de Melhor Filme.
Por outro lado, críticos apontam o filme como inconsistente em sua narrativa musical. Elementos como a mistura de ópera com questões reais foram vistos como desconexos, enquanto as escolhas de roteiro falharam em fornecer profundidade emocional autêntica aos personagens.
E a polêmica mais recente para a produção foi a revelação do uso de inteligência artificial na dublagem vocal, o que gerou novas críticas, especialmente no contexto das greves de Hollywood contra o uso de IA para substituir artistas.
Todos esses elementos são apontados como eventuais pedras no sapato da produção, que pode ter o seu prestígio minado com tanto ruído contrário.
Mas nem tudo joga contra “Emilia Pérez”.
Karla Sofia Gascón e a representatividade trans no Oscar
Karla Sofia Gascón tornou-se a primeira atriz trans indicada ao Oscar, marcando um momento histórico para o cinema como um todo.
Em um momento em que a tal palavra “diversidade” é tão massacrada por políticos, instituições governamentais e empresas, ver uma indicação como essa é um sinal claro de que as mudanças realizadas entre os votantes da Academia de Hollywood estão resultando em impactos positivos e reconhecimento plural.
Não vai salvar o mundo ou mudar tudo de uma hora para outra, mas ao menos teremos os grupos minoritários mais bem representados com papeis de protagonismo.
Por outro lado, Karla Sofia Gascón parece que não se ajudou nas últimas semanas, e suas atitudes tiram um pouco de holofote para a sua indicação histórica.
Sua postura vocal, tanto no programa El Hormiguero quanto nas redes sociais, gerou polêmicas adicionais. Muitos a acusaram de estar desconectada da realidade de mulheres trans de classes menos privilegiadas, enquanto ela mesma enfrentava transfobia e críticas sobre seu comportamento público.
Apesar das críticas, Emilia Pérez gerou diálogos significativos sobre a representação no cinema. O diretor Jacques Audiard afirmou que a escolha pela ópera visava criar distância emocional e amplificar a mensagem do filme.
Ele também reconheceu a sensibilidade dos temas abordados e pediu desculpas publicamente por aspectos do longa, admitindo limitações em capturar a complexidade cultural e transgênero de forma precisa.
Além de tudo isso, a ausência de atores mexicanos para contar uma história sobre o México foi um detalhe grande demais para ser ignorado por todos.
O diretor chegou a se defender, afirmando que fez testes com atores do país, mas que nenhum deles “eram bons o suficiente para interpretar os personagens do filme”.
Por outro lado, um personagem inteiro foi readaptado para que Selena Gomez pudesse caber nele, e o sotaque latino da atriz foi muito criticado, mostrando que o esforço de reconstrução da narrativa do enredo central foi fracassado.
Com tudo isso, é um forte indicado
Apesar das controvérsias, o filme foi amplamente aclamado por críticos, conquistando 13 indicações ao Oscar, 4 Globos de Ouro e o prêmio do júri em Cannes.
Não resta dúvidas de que “Emilia Pérez” é um forte indicado na premiação máxima do cinema, e é sim uma grande pedra no sapato das pretensões de “Ainda Estou Aqui”.
Por outro lado, muitos afirmam que o filme perdeu força com tanto falatório e campanhas negativas. Algumas dessas campanhas contra o longa do diretor francês incluem diretores mexicanos como Guillermo del Toro e Alfonso Cuarón defendendo abertamente o filme de Walter Salles.
Por outro lado, quem defende “Emilia Pérez” destaca sua ousadia artística ao oferecer uma perspectiva inédita sobre narrativas de cartéis e questões transgênero, mesmo que reconheçam as falhas apontadas.
Audiard justificou a decisão de transformar o filme em uma ópera para criar um distanciamento estilizado das tragédias reais que o inspiraram.
Ele comparou sua abordagem ao uso de recursos dramáticos em peças de Shakespeare, defendendo que o uso de música e dança poderia atingir o público de forma mais profunda do que uma abordagem documental ou realista.
Entendo que, de todos os problemas de “Emilia Pérez”, esse (o da escolha por uma ópera para retratar o narcotráfico) é o mais brando.
E, mesmo assim: não isenta o diretor da obrigação em consultar os mexicanos, só para ter certeza de que essa era uma boa ideia.
Em 2 de março, Hollywood dará a sua resposta para “Emilia Pérez”. Vamos ver se o filme vai além das polêmicas, e entrega o reconhecimento que a Netflix espera.
Pois barulho e visibilidade o filme tem de sobra.