Em 2024, o Brasil registrou o maior tombo da história do setor de TV por assinatura: 9,3 milhões de assinantes a menos, o que representa uma queda de 21% em apenas um ano (de 2023 para 2024).
Considerando os números registrados entre 2014 (ano de Copa do Mundo no Brasil) e 2024, a queda na audiência da TV paga é de mais da metade dos clientes que, pelos mais diversos motivos, abandonaram o formato.
O que explica esse colapso? Como a internet e as novas gerações estão revolucionando a maneira como consumimos conteúdo? E como o modelo arcaico de TV paga tem a sua parcela de culpa ou responsabilidade nesses resultados?
Vamos nos debruçar sobre os números e buscar explicações mais aprofundadas sobre essa transformação. Tradição e tecnologia entraram em rota de colisão, e o futuro da mídia está mais do que ameaçado.
Números que assuntam
Em 2024, a Anatel revelou um dado alarmante: a TV por assinatura no Brasil fechou o ano com apenas 9,3 milhões de clientes, uma redução de 21% em relação a 2023. Para entender a magnitude dessa queda, é preciso voltar a 2014, quando o setor atingiu seu ápice com 19,6 milhões de assinantes.
Uma década depois, o declínio acumulado chega a 52,7%, o equivalente a perder mais de 10 milhões de lares conectados.
Especialistas apontam que a ascensão dos streamings, como Netflix e Globoplay, não foi apenas um fenômeno paralelo, mas o catalisador de uma ruptura irreversível. Porém, os motivos para esse esfarelamento da TV por assinatura no Brasil vão além disso.
A internet não só democratizou o acesso, mas redefiniu as expectativas do público. Enquanto pacotes de TV tradicionais impõem grades fixas e canais pouco personalizáveis, plataformas digitais oferecem liberdade de escolha, mobilidade e preços mais acessíveis.
O consumidor moderno não quer mais esperar pelo horário do seu programa favorito. Ele exige conteúdo sob demanda, adaptado ao seu ritmo de vida. A mudança de mentalidade criou uma crise existencial para as operadoras, que hoje lutam para reinventar seus modelos de negócio em um mundo onde a conveniência dita as regras.
Os números não mentem: em 2024, os cinco principais canais de TV de notícias do país registraram uma média diária de apenas 11.792 espectadores. E isso, porque o jornalismo sempre deu muita audiência para a TV.
Os números refletem a migração para plataformas digitais, mas também a fragmentação dos interesses do público. As pessoas não abandonaram o consumo de notícias ou entretenimento: elas só migraram para ambientes onde podem curar sua própria experiência midiática, seja através de redes sociais, sites de emissoras ou aplicativos especializados.
Nem é preciso pensar muito sobre esse tópico, mas… tem muita gente “se informando” pelos grupos de WhatsApp e vídeos no TikTok. Conteúdos independentes são concorrentes diretos dos canais de notícias que, gradativamente, vão perdendo audiência.
O fim da era da TV tradicional
Maria Letícia Renault, professora da UnB, resume o fenômeno com precisão: “As novas gerações não estão mais na frente da TV. Elas circulam, dominam a mobilidade e exigem controle total sobre o que assistem”.
Para os millennials e a Geração Z, a ideia de programação linear parece anacrônica. Esses jovens não apenas rejeitam pacotes com centenas de canais irrelevantes, mas também desenvolvem hábitos de consumo que transcendem a tela tradicional.
Assistir a um reality show no YouTube, acompanhar notícias pelo TikTok ou maratonar séries no smartphone tornou-se a nova norma para as gerações mais jovens.
Isso não significa que o conteúdo televisivo desapareceu. Ele apenas se adaptou para as novas mídias.
Emissoras tradicionais agora distribuem seus programas em redes sociais, aplicativos próprios e plataformas de streaming, onde competem diretamente com produções globais. A Globo, por exemplo, encontrou no Globoplay uma forma de reconquistar públicos mais jovens, oferecendo exclusividade e interatividade.
É um paradoxo: mesmo com a queda da TV por assinatura, o consumo de conteúdo audiovisual nunca foi tão alto. A diferença está na forma como ele é acessado e monetizado.
A resistência das novas gerações à TV tradicional também reflete uma mudança cultural profunda. A ideia de “assistir TV” como atividade central no lar perdeu espaço para a multitarefa digital.
Um jovem pode estar simultaneamente vendo um live stream no Twitch, interagindo com amigos no WhatsApp e consumindo clips no Instagram. Nesse ecossistema fragmentado, a TV por assinatura — com sua passividade e falta de personalização — tornou-se um elemento desconectado do ritmo acelerado e da demanda por interação que definem a era digital.
Quem sobreviveu em um mercado concentrado?
Apesar da crise, o mercado de TV por assinatura ainda é dominado por cinco grandes operadoras, que concentram 96% das assinaturas ativas no Brasil.
A Claro lidera com 51,1% do mercado (4,7 milhões de clientes), seguida pela Sky (28,8%) e Vivo (8,5%). Curiosamente, mesmo em declínio, essas empresas mantêm relevância graças a estratégias agressivas de bundling, combinando TV com internet e telefonia.
Para muitos consumidores, especialmente em regiões com infraestrutura limitada, esses pacotes ainda representam a opção mais viável de acesso a conteúdo diversificado, mesmo recebendo canais e serviços que não acessam todos os dias.
A tecnologia também desempenha um papel importante nessa sobrevivência. Dos 9,3 milhões de assinantes, 4,6 milhões utilizam satélite, 3,5 milhões dependem de cabos metálicos e 1,1 milhão acessam por fibra óptica.
A fibra, embora ainda minoritária, cresce em importância por oferecer velocidade compatível com streamings, sugerindo que as operadoras estão gradualmente migrando para modelos híbridos.
Neste momento, o IPTV é vital para evitar uma obsolescência total da TV por assinatura. A Claro já anunciou a migração completa dos seus assinantes de TV via cabo para o sistema de transmissão por streaming, e não será surpresa ver outras empresas realizando o mesmo movimento.
A Vivo é a que mais aposta na transmissão híbrida através de cabos de fibra ótica, mas precisa lidar com os altos custos de implantação e a concorrência desleal de serviços puramente digitais. Terá uma jornada difícil se manter o mesmo modelo de negócio a médio e longo prazos.
E a SKY mantém a sua oferta de serviços em modo via satélite (DTH) por entender que a internet residencial ainda não entrega uma qualidade minimamente aceitável para o IPTV em todas as regiões do território nacional.
Dessa forma, oferece uma alternativa para os locais mais remotos e com estrutura precária de internet, garantindo um público que precisa ser atendido por algum tipo de alternativa.
De um modo geral, a SKY é a que menos inova na sua proposta, pois de forma majoritária se limita a investir em conteúdos exclusivos para reter assinantes. Diferente da Claro, que conta com o super bundle de streaming com os seus planos de IPTV (com Netflix, Max, Apple TV+ e Globoplay).
Uma lição que durou 10 anos
Cada operadora de TV por assinatura tenta encontrar o seu caminho para uma necessária reinvenção, em um cenário complexo que tem como desafio maior convencer as novas gerações de que assistir TV no formato tradicional ainda tem valor em um mundo onde a internet oferece infinitas alternativas.
As operadoras de TV paga pararam no tempo. Ficaram prostradas na crença de que eram dominantes no mundo do entretenimento, em uma mentalidade típica da década de 1990, quando a internet não existia (ou estava engatinhando), os videogames eram caros demais para serem adquiridos em larga escala, e a concorrência direta era a locadora de filmes ou o cinema.
Agora precisam entender que não basta competir com a concorrência direta, mas quem sabe se aliar com a principal ameaça: o streaming.
Testemunhamos uma revolução digital que reescreveu as regras do jogo da TV paga, tal e como aconteceu com outros setores da tecnologia e do entretenimento.
E se o setor não entender o que aconteceu nos últimos 10 anos, está condenado ao inevitável desaparecimento.