Em abril de 2021, o mercado global de tecnologia testemunhou um movimento estratégico surpreendente e, ao mesmo tempo, bastante lógico: a LG Electronics, gigante sul-coreana reconhecida por sua presença em diversos segmentos eletrônicos, anunciou oficialmente sua retirada completa do setor de smartphones.
A decisão encerrou uma jornada marcada por altos e baixos, inovações audaciosas e, ultimamente, desafios financeiros insuperáveis que culminaram na extinção de sua divisão móvel.
Com o anúncio do desligamento dos servidores para as plataformas mobile em 30 de junho de 2025, a LG se retira de forma definitiva do segmento. Vamos revisar os acontecimentos para um melhor entendimento do que realmente aconteceu.
Uma espiral descendente financeira
O principal fator que impulsionou a saída da fabricante sul-coreana foi indiscutivelmente o cenário econômico devastador. Por quase seis anos consecutivos – precisamente 23 trimestres fiscais – a divisão de telefonia móvel da companhia acumulou resultados negativos, somando aproximadamente US$ 4,1 bilhões em perdas até o encerramento de 2020.
O sangramento financeiro contínuo tornou insustentável a permanência da empresa neste segmento altamente competitivo.
A catástrofe financeira não ocorreu subitamente. Executivos da corporação buscaram incessantemente reverter a situação através de reestruturações internas, lançamentos de dispositivos inovadores e reposicionamento de mercado.
Entretanto, essas tentativas não conseguiram frear a tendência declinante que se estabeleceu ao longo dos anos. E boa parte dessas perdas aconteceu porque a LG tomou decisões muito equivocadas dentro do segmento de smartphones.
Erros estratégicos no mundo Android
Um aspecto frequentemente subestimado nas análises sobre o colapso da LG no setor foi sua entrada tardia no ecossistema Android.
Inicialmente, a corporação apostou no sistema operacional Windows Phone da Microsoft para seus dispositivos móveis inteligentes, uma decisão que se mostrou equivocada à medida que o Android rapidamente se consolidava como plataforma dominante no mercado global.
Esta hesitação inicial criou um déficit competitivo difícil de superar. Enquanto concorrentes como a Samsung investiam maciçamente na otimização de experiências baseadas no sistema do Google, a LG precisou correr para recuperar o tempo perdido.
O atraso na adoção plena da plataforma Android refletiu-se negativamente na percepção dos consumidores e no desenvolvimento de um ecossistema robusto de aplicativos e serviços.
LG, esmagada entre as gigantes
A posição da LG no mercado tornou-se progressivamente mais complexa, devido ao cenário extremamente polarizado da indústria.
No segmento premium, a dupla Apple-Samsung estabeleceu um duopólio praticamente impenetrável, capturando a maior parte dos consumidores dispostos a pagar valores elevados por dispositivos topo de linha.
Simultaneamente, no terreno dos smartphones intermediários e econômicos, fabricantes chineses como Xiaomi, Oppo e Vivo executaram uma estratégia agressiva de expansão global. São marcas que conseguiram oferecer especificações técnicas impressionantes a preços substancialmente mais acessíveis, esmagando as margens de lucro e deixando pouco espaço para a LG se diferenciar competitivamente.
Com um mercado operando em ambas as extremidades do espectro de preços de forma implacável, o ambiente comercial para a sustentabilidade da operação da LG no segmento de smartphones era algo virtualmente impossível.
Inovação sem conexão com o consumidor
Paradoxalmente, mesmo sendo reconhecida por suas inovações, a LG falhou em transformar criatividade tecnológica em apelo comercial consistente. Dispositivos como o peculiar LG Wing, com sua tela giratória, demonstraram a capacidade da empresa em pensar fora da caixa, mas não conseguiram cativar o público de forma significativa.
A experimentação constante, embora louvável do ponto de vista tecnológico, gerou uma identidade fragmentada perante o mercado. Os consumidores tinham dificuldade em compreender o posicionamento exato da marca, enquanto concorrentes mantinham linhas de produtos mais coerentes e comunicação mais clara sobre seus diferenciais.
A desconexão entre inovação tecnológica e preferências reais dos consumidores contribuiu decisivamente para a incapacidade da empresa em consolidar uma base leal de usuários, essencial para a sobrevivência no competitivo mercado de smartphones.
O redirecionamento estratégico
Face aos desafios aparentemente intransponíveis, a LG optou por uma reorganização estratégica de seu portfólio de negócios. A decisão de abandonar os smartphones possibilitou concentrar recursos em setores mais promissores e financeiramente viáveis.
A companhia redirecionou investimentos para áreas como componentes para veículos elétricos, aparelhos conectados para residências inteligentes, soluções de robótica, desenvolvimento de inteligência artificial e expansão de suas ofertas corporativas business-to-business.
A reorientação representa uma adaptação pragmática às realidades do mercado global e às competências centrais da empresa. Analistas do setor consideram que esta mudança, embora dolorosa no curto prazo, pode fortalecer a posição da LG em segmentos onde possui vantagens competitivas mais sustentáveis.
As consequências no mercado brasileiro
No Brasil, as repercussões da saída da LG manifestaram-se concretamente com o fechamento de sua unidade fabril em Taubaté, no interior paulista. Aproximadamente mil trabalhadores diretos foram afetados pela descontinuidade da produção local de smartphones.
O impacto estendeu-se também à cadeia de suprimentos regional, com diversas empresas fornecedoras enfrentando reduções significativas em suas operações e consequentes demissões.
A decisão representou um golpe para o polo industrial da região do Vale do Paraíba, historicamente importante na produção de eletrônicos no país. Autoridades locais e sindicatos buscaram alternativas para minimizar os efeitos socioeconômicos da medida, mas o encerramento definitivo das atividades de produção de smartphones da LG no Brasil tornou-se inevitável.
A transição gradual para o fim do suporte
Reconhecendo sua responsabilidade com a base instalada de consumidores, a LG estabeleceu um programa de transição para o encerramento definitivo de suas operações móveis.
A empresa comprometeu-se a fornecer atualizações de software para modelos lançados a partir de 2019, incluindo linhas como Velvet, Wing e as séries G e V, garantindo suporte por até três anos após seu lançamento original.
Contudo, a realidade do ciclo de vida tecnológico impõe limites a este compromisso. A companhia já anunciou que encerrará definitivamente seus servidores de atualização Android em 30 de junho de 2025, marcando o término oficial do suporte para todos os dispositivos LG remanescentes no mercado.
O que aprendemos com tudo isso
Apesar da descontinuidade de seus aparelhos móveis, o legado tecnológico da LG no segmento permanece relevante. A fabricante foi pioneira em diversas inovações que posteriormente se tornaram padrão na indústria, como a introdução de câmeras ultra-wide, implementação de telas curvas e experimentação com formatos não-convencionais.
Além disso, a influência da companhia no ecossistema móvel persiste através do fornecimento de componentes essenciais – particularmente displays e baterias – para outros fabricantes de smartphones.
Essa participação indireta permite que tecnologias desenvolvidas nos laboratórios da LG continuem presentes no mercado, mesmo após a extinção de sua própria linha de aparelhos.
A saída da LG ilustra perfeitamente a natureza implacável do mercado global de smartphones. Mesmo empresas com recursos substanciais, histórico de inovação e presença internacional consolidada podem sucumbir rapidamente às pressões competitivas deste setor em constante evolução.
O caso oferece lições valiosas sobre a importância do timing estratégico, posicionamento claro de mercado e capacidade de traduzir inovação tecnológica em valores perceptíveis pelos consumidores. Em um ambiente onde gigantes tecnológicos e novos entrantes competem por margens cada vez mais estreitas, a adaptabilidade e foco estratégico tornam-se fatores decisivos para sobrevivência e prosperidade.
A retirada da LG representa não apenas o fim de uma era para a empresa coreana, mas também um marco significativo na evolução contínua do ecossistema global de dispositivos móveis – um lembrete eloquente de que, no mundo da tecnologia, até mesmo os poderosos precisam se reinventar constantemente ou arriscar a obsolescência.