Na queda de braço com um bilionário, o Brasil venceu.
Não importa o que você pensa sobre o assunto. Os fatos sempre são os fatos. E a verdade aqui é uma só: Elon Musk, dono do X (Twitter), tentou de tudo para fazer valer o seu ponto e, no final, deu aquela bela arregada.
Agora que o X possui representante legal no Brasil, pagou as multas das infrações anteriores e bloqueou as contas que estavam judicialmente suspensas por cometerem crimes em escala, a tendência é que a rede social retorne ao Brasil a qualquer momento.
Mas… antes desse retorno acontecer, vamos revisar os últimos acontecimentos, apenas para entender o quão complexa foi essa problemática envolvendo Elon Musk e o judiciário brasileiro.
Ataques e contra-ataques
Recapitulando.
O Twitter (ou X) foi bloqueado no Brasil após uma ordem judicial emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente do ministro Alexandre de Moraes.
A medida foi tomada devido à recusa da rede social em cumprir as exigências locais, como remover perfis que propagavam desinformação e ameaçavam a democracia brasileira.
De novo, amigo leitor: isso não cai no campo do subjetivo quando existem leis que criminalizam tais discursos. E a liberdade de expressão ampla e irrestrita não é algo que se aplica quando a existência de outra pessoa é colocada em ameaça por causa dessas falas.
Resultado: o Brasil ficou sem o X, o que abriu um precedente global no combate à disseminação de fake news em plataformas digitais.
Era a primeira grande democracia que ousava enfrentar Elon Musk, o que ligou os radares de outros países. Aqui, o contexto é bem diferente daquele aplicado na China, onde o X também é banido, mas Musk passou bem longe de comprar a briga da mesma forma que fez por aqui.
Em vez de adotar uma postura conciliatória, Elon Musk respondeu com ironia e desdém às demandas do judiciário brasileiro.
O esperado para alguém com o perfil dele. O que não era estimado era até que ponto Musk iria avançar na sua investida em fazer valer os seus pontos.
O bilionário usou sua plataforma para desafiar o presidente Luís Inácio Lula da Silva e o ministro do STF que decidiu sobre o banimento do Twitter no Brasil, Alexandre de Moraes.
Musk chegou ao ponto de postar imagens criadas por inteligência artificial que zombavam do magistrado encarregado do caso, o que pode ser encarado por muitos como humor, mas não necessariamente é interpretado dessa forma por todos os envolvidos.
Esse tipo de atitude intensificou a tensão entre a rede social e o Brasil, prolongando o bloqueio e complicando ainda mais as negociações para um eventual retorno.
E aí, veio o caso da Cloudflare, que provou um ponto muito questionado pelo grande coletivo.
Sim… o problema era mesmo o VPN…
Quando o Twitter foi suspenso no Brasil, um dos pontos mais polêmicos da decisão envolvia a proibição do uso de serviços de VPN.
A primeira versão da decisão determinava a remoção dos apps de VPN das lojas do Google e da Apple, o que gerou revolta generalizada do coletivo. E com certa dose de razão.
Afinal de contas, não era todo mundo que utilizava os serviços de VPN para acessar o Twitter e burlar decisões judiciais.
O segundo texto voltava atrás neste aspecto, mas manteve a multa de R$ 50 mil para quem acessasse a rede social durante o período de suspensão com a ajuda do VPN.
Agora, depois de compreender tudo o que Elon Musk tentou ao modificar os endereços de destino da sua rede social via Cloudflare, entendemos por que o bloqueio do VPN era necessário.
Além de ser a única possibilidade de acessar o X de qualquer lugar, o redirecionamento aplicado ao Twitter no aplicativo (já que o acesso à página web ainda estava bloqueado) tinha a mesma lógica: burlar o bloqueio que, na prática, era sistemicamente estabelecido pelas operadoras de internet no Brasil, sob orientação da Anatel.
Quando o Twitter muda os endereços de redirecionamento do seu aplicativo (porque alguém lá dentro da rede social fez as contas e entendeu que a maioria usava o app oficial), foi aberto o precedente que comprova que, efetivamente, o bloqueio de VPN era sim necessário para que a decisão judicial fosse cumprida.
Até porque, com esse movimento de mudança de configuração na Cloudflare, o Twitter (ou melhor, Elon Musk) estava efetivamente testando os limites dessa decisão e, ao mesmo tempo, afrontando o judiciário brasileiro.
Não podemos nos esquecer que tudo o que está acontecendo no Brasil neste exato momento em relação ao X é observado com lupa por outras democracias.
E as decisões judiciais aqui criam precedentes legais para que outros países façam o mesmo com a rede social, e pelos mesmos motivos que levaram o Brasil a realizar a suspensão da plataforma por aqui.
Musk diz uma coisa e faz outra
Apesar de todas as suas declarações públicas com tom agressivo, debochado e quase revolucionário, pregando um pseudodiscurso de liberdade de expressão para qualquer coisa, Elon Musk vem agindo nos bastidores de forma completamente diferente. E o episódio da Cloudflare revelou isso.
Musk instruiu a equipe jurídica de X a cumprir as ordens do STF. Isso incluiu a remoção de contas que espalhavam desinformação e o pagamento das multas impostas.
Todo o processo de negociação do retorno do Twitter no Brasil ocorreu de maneira silenciosa, sugerindo que Musk reconhece a importância do mercado brasileiro, um dos maiores usuários de redes sociais no mundo.
Aliás, a própria conta de Relações Governamentais do Twitter deixou claríssimo que essa negociação existia, e que a plataforma estava com esforços concentrados para cumprir as demandas judiciais.
Internamente, há quem diga que os advogados nomeados pelo Twitter para cuidar do caso junto ao STF reconheceu que a plataforma efetivamente descumpriu as leis brasileiras, mas como não tenho como comprovar isso, vou deixar apenas na zona dos rumores.
De qualquer forma, a mudança de postura de Musk mostra que o judiciário brasileiro tinha razão em estabelecer o bloqueio, tanto nos argumentos para a decisão como nas medidas drásticas tomadas.
De novo: na China, Musk não fez nem 10% do escândalo e gritaria feito por aqui, e todo mundo sabe por que.
E por muito menos os EUA estão banindo do país a ByteDance, dona do TikTok. E ninguém está chamando essa decisão de “ditatorial”.
O X vai voltar, mas vai respeitar nossas leis
Uma vez que nosso Congresso optou por não legislar sobre a atuação das redes sociais em nosso país, estabelecendo regras e limites claros para as plataformas, o STF é obrigado a interferir na questão para determinar o que pode e o que não pode ser feito por Elon Musk.
É o que Alexandre de Morais chamou de “regras genéricas”. Uma vez que a Internet não existia em 1988 (ano de promulgação da Constituição Brasileira), a ausência de leis específicas para as redes sociais faz com que se aplique a legislação que já existe sobre direitos civis e responsabilidades para empresas e indivíduos.
Desde o início de 2023, a corte tem intensificado suas ações contra plataformas que permitem a disseminação de fake news, principalmente em períodos eleitorais.
Não podemos nos esquecer que a ausência de responsabilidade das plataformas e seus gestores sobre os discursos disseminados pelos usuários resultou inclusive em mortes no Brasil.
Deixando um pouco de lado todas as questões ideológicas, a maior preocupação de Musk neste momento é o estrago que tudo o que está acontecendo pode deixar nos seus outros negócios.
Tesla e, principalmente, SpaceX estão sendo diretamente afetadas pela insistência de Musk em desafiar o judiciário brasileiro. Não apenas a venda de ações dessas empresas para manter a rede social no ar, mas também a real possibilidade de cancelamento de negócios e parcerias robustas no Brasil.
É claro que a receita e o alcance global do X são prejudicados sem o Brasil. Nosso país representa nada menos que 8% dos usuários do Twitter no mundo, e entendo que Musk não pode se dar ao luxo de abrir mão da receita publicitária gerada na plataforma por aqui.
Porém, olhando para o ponto futuro, a SpaceX é a que mais pode ser prejudicada, principalmente se o contrato com o Exército brasileiro realmente for cancelado (e será), ou se a licença para vender o serviço de internet via satélite por aqui for suspensa.
Fato é que: após semanas de impasse, a rede social pode estar próxima de retornar ao Brasil. A tendência é que o bloqueio seja levantado em definitivo nessa semana (é possível que o X já tenha retornado quando você estiver lendo esse artigo), já que Musk cumpriu o que foi determinado pela justiça brasileira.
Porém, esse retorno agora está diretamente condicionado ao monitoramento constante da plataforma pelas autoridades brasileiras, e Musk precisa estar ciente de que terá que obedecer o que está estabelecido por lei no Brasil.
É direito de qualquer pessoa ou empresa discordar e questionar as leis vigentes e o judiciário brasileiro. Porém, o cumprimento das leis é a regra condicionante para os questionamentos.
Não dá para aceitar uma rede social que defende a disseminação de notícias falsas, de ódio e preconceito sob o pretexto de “liberdade de expressão ampla e irrestrita”.
E para aqueles que ainda afirmam que isso é uma “ditadura”…
Elon Musk teve todas as chances de questionar e debater as decisões judiciais impostas pelo STF, e optou pelo desafio e deboche.
Em uma ditadura de verdade, ele sequer teria a chance de fazer tais questionamentos.
E convido aos mais revoltados que estudem a sério o que é uma ditadura, pois passam longe de saber sobre o que estão falando.