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Netflix completa 25 anos… em um paradoxo

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A Netflix está completando hoje exatos 25 anos de vida. A empresa, que começou distribuindo filmes em DVD pelos correios para acabar com a frustração que é ser obrigado a ir até uma locadora para devolver os itens alugados no final de semana, chega ao jubileu de prata muito diferente, e com desafios muito maiores do que a preguiça dos usuários.

Não dá para dizer que Reed Hastings e March Randolph não são visionários, mesmo que de forma meio torta. Pensar que a Netflix nasceu da frustração em ter apenas 48 horas para assistir ao filme Apollo XIII e ser obrigado a ir até uma Blockbuster para evitar pagar uma cara multa parece mais coisa de nerd preguiçoso do que de pessoas que queriam efetivamente mudar o comportamento das pessoas.

Mas… quem disse que a inovação tecnológica não se faz de iniciativas aparentemente pensadas em alimentar a preguiça humana, não é mesmo?

 

E tudo começou como uma resposta às videolocadoras

O site Netflix.com nasceu em 1998, e se tornou rapidamente uma pedra no sapato das videolocadoras, incluindo a gigante do mercado na época, a Blockbuster.

A Netflix era o sonho dos fãs do cinema em casa da época, pois permitia o envio e a devolução dos filmes sem sair de casa. Você solicitava os filmes pela internet, que eram entregues em casa em discos de DVD.

Depois do período de visualização do conteúdo (que era bem maior que o das videolocadoras), você podia devolver os primeiros filmes alugados na entrega dos outros filmes que você alugou no final de semana seguinte.

E tudo isso era feito de forma simples, prática e indolor. Se bobear, você nem precisava receber o entregador na porta da sua casa ou condomínio.

O modelo de negócio da Netflix foi copiado por várias empresas em diferentes países do planeta, inclusive no Brasil. E com o passar dos anos, a ideia de ir até uma videolocadora para alugar filmes por apenas 48 horas foi abandonada pelos usuários, justamente pela praticidade em receber os filmes sem sair de casa.

Por outro lado, o aluguel de DVDs de filmes pela internet também se demonstrou um modelo de negócios insustentável. A Netflix gastava muito com a logística de envios de centenas de milhares de filmes que eram enviados pelos correios todos os dias.

A empresa precisava encontrar uma solução para se manter no mercado. E teve a perspicácia em aproveitar outro fenômeno que estava em clara evidência, e sem demonstrar sinais de cansaço (pelo contrário, pois passou a ser vital para qualquer pessoa): a internet.

 

E por que não usar o streaming?

O pessoal da Netflix certamente viu o que estava acontecendo com o YouTube, identificando essa plataforma como o futuro do entretenimento. As pessoas estavam se acostumando a ver vídeos pela internet, passando mais e mais tempo diante da tela do computador para se divertir.

Então… por que não fazer com que essas mesmas pessoas assistissem filmes, séries de TV e documentários através das telas de computadores, tablets, smartphones e até mesmo da TV, com os conteúdos transmitidos pela internet, via streaming?

O conceito era relativamente novo, mas não absurdamente inviável. Logo, depois de pesquisa e desenvolvimento do conceito do novo formato, a Netflix estreou o seu serviço de streaming em 2007.

Só que nem mesmo a Netflix esperava que as produtoras de cinema e a concorrência no segmento de aluguel de filmes fosse simplesmente rir da cara deles por causa da iniciativa. Mas o tempo mostrou quem tinha razão.

Por outro lado, não dá para julgar a visão dos demais envolvidos na época, que não acreditavam que a Netflix poderia realmente ganhar dinheiro com o serviço de streaming em um mundo onde a pirataria já estava no auge, e todos lutavam contra o compartilhamento de conteúdos de forma “alternativa”.

Só para lembrar que foi a geração da série Lost que mostrou ao mundo a capacidade real dos internautas em aproveitar as conexões de internet banda larga para compartilhar os episódios LEGENDADOS poucas horas depois da exibição original no canal de TV dos EUA ABC.

A partir daí, o comportamento de todo o segmento de entretenimento teve que mudar drasticamente. E foi a Netflix a primeira empresa que realmente entendeu em como trabalhar com a internet a seu favor. Todas as outras empresas simplesmente “comeram bola”, tratando a nova tecnologia como “a inimiga”, ignorando a possibilidade de ser “a aliada”.

Resultado: a Netflix ficou pelo menos uma década sem qualquer tipo de concorrência a sério, integrando em sua plataforma qualquer filme ou série de qualquer distribuidora de peso. Enquanto isso, todo o restante do mercado seguia com os seus negócios nos formatos tradicionais, apostando nos cinemas, na televisão aberta e TV a cabo e na comercialização e aluguel de filmes em DVD.

Em 10 anos, a Netflix cresceu de forma assustadora, acumulando uma gordura de vantagem em relação à concorrência e, o mais importante de tudo isso, ganhando muito dinheiro com o seu modelo de negócio.

Todo o dinheiro que a Netflix ganhou ao longo de 10 anos foi importante para que a empresa começasse a produzir os seus próprios conteúdos em filmes e séries de TV, entregando assim conteúdos exclusivos para os seus assinantes. E aqui sim até dá para dizer que foi uma visão de futuro de Reed Hastings.

Em 2013, eu participei do evento de lançamento da Netflix no Brasil. E na época, Hastings foi claro em seu pensamento: “temos que produzir conteúdos originais, pois vai chegar o dia em que os nossos parceiros vão parar de oferecer os seus conteúdos para nós”.

E hoje, foi bem isso o que aconteceu.

No final das contas, os assinantes da Netflix receberam obras excelentes como House of Cards, Narcos e Roma. E esses conteúdos se tornaram muito mais populares que as séries clássicas de TV produzidas pelos grandes estúdios…

…que acordaram para a vida, e decidiram reagir.

 

25 anos, e chegou a hora de se reinventar

A concorrência entendeu o que a Netflix fez: ofereceu conteúdo barato, sem publicidade, com compartilhamento de contas para muitos usuários e estreias simultâneas em todo o mundo com temporadas completas.

Dez anos com esse novo formato de negócio foram mais que suficientes para criar uma nova geração de consumidores com novos hábitos. Os usuários da “era Netflix” se acostumaram a fazer maratonas de suas séries em casa, e perderam a paciência para esperar um novo episódio a cada semana.

Aos poucos, Disney, HBO (Warner), Apple, Amazon, Paramount e outras empresas de entretenimento copiaram o modelo de negócios da Netflix. Porém, um pouco tarde, pois levaram anos para reduzir a vantagem que a gigante do streaming construiu ao longo desse tempo todo.

Mas como estamos falando de verdadeiras gigantes do entretenimento, o cenário de 2022 mostra que hoje a Disney tem sim mais assinantes que a Netflix ao redor do mundo, mostrando que a empresa de Hastings precisa se reinventar depois de 25 anos de vida e 14 anos dominando no segmento de streaming.

A grande encruzilhada que a Netflix se encontra neste momento é justamente a necessidade de se reinventar depois de perder mais de 1 milhão de assinantes pela primeira vez em sua história. Além disso, temos nesse momento um mercado completamente saturado pela enorme concorrência e até mesmo pelo cansaço dos usuários, que acabam se deparando com uma quantidade enorme de conteúdo para assistir em pouco tempo.

Nessa necessidade de reinvenção, a Netflix se viu obrigada a renunciar aos valores que a tornaram muito popular justamente no ano de seu 25º aniversário, abandonando os planos baratos, encerrando o compartilhamento de contas e abrindo as portas para a publicidade.

É irônico dizer que a Netflix que o mundo conheceu um dia vai deixar de existir justamente nos seus 25 anos de atividades. Porém, as mudanças são necessárias para sobreviver em um segmento de mercado que ela mesma pavimentou o caminho para a concorrência que, por outro lado, transformou este cenário algo muito diferente do que o mato que existia em 2008.

Hoje, a Netflix possui 220 milhões de usuários em 197 países, US$ 17 bilhões em investimentos anuais para produção de séries e filmes, e quedas nas ações de 60% ao ano. A empresa reconhece que o streaming de filmes e séries por si não é mais suficiente para torná-la rentável e, por isso, se vê obrigada a explorar outros segmentos, como é o caso dos videogames.

A Netflix não é a única empresa que passou por isso, e nem será a última. Revolucionou o mercado do cinema e do home cinema, tal e como a Apple fez com os smartphones e a Ford fez com os carros. E todas as gigantes mencionadas neste parágrafo se viram obrigadas em algum momento a lutar para não serem engolidas pelo seu próprio sucesso.

Sim. É algo irônico e emblemático ver a Netflix sendo obrigada a mudar no ano onde ela poderia simplesmente celebrar o seu triunfo por inovar e mudar tanto os hábitos dos usuários no consumo de entretenimento.

Por outro lado, temos uma concorrência que acordou para a vida. E hoje, faz com que a gente pague mais caro que os planos de TV por assinatura para assistir aos conteúdos que tanto amamos.

E isso também é algo muito irônico.


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