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“Nerd empoderado”? Ou um “nerd chato”?

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Eu não sou aquele tipo de pessoa que cresceu lendo as histórias da Marvel nos quadrinhos. Sempre gostei de ler os gibis da Turma da Mônica, as revistas da MAD #saudades e até mesmo a revista Veja quando tinha a chance (me julguem). Aliás, eu nunca me enxerguei como um nerd convicto. Sempre me senti mais confortável com o rótulo de “geek” ou de “viciado em tecnologia”.

Mas consigo imaginar alguns dos meus amigos e colegas produtores de conteúdo indo até as bancas todos os meses para investir o dinheiro da mesada nas revistas da Marvel e defendendo suas histórias e personagens muito antes de tudo isso virar mainstream.

E eu sei que muitos se empolgaram quando a Marvel criou o hoje mundialmente popular Marvel Cinematic Universe (MCU), oferecendo aos cinemas personagens e histórias que eles consumiram uma vida inteira como um hobby de “freaks”.

Hoje, os humilhados são exaltados. Os leitores de quadrinhos nunca foram tão felizes. Aliás, este é o melhor momento para ser um nerd, já que boa parte da cultura pop atual conversa diretamente com esse público.

Porém, a popularidade do MCU também resultou na criação de vilões do mundo real, que podem ser tão nocivos e perigosos quanto o Thanos, o Apocalipse ou o Kang: o “nerd empoderado”.

 

A anatomia do “nerd empoderado”

Eu tenho quase certeza de que você já encontrou um “nerd empoderado” nos últimos 10 anos de sua vida (pelo menos). Seja em uma edição da Campus Party, seja em um bate-boca acalorado nas redes sociais.

No meu caso, eu me deparei com alguns deles ao longo dos anos. Na verdade, um pouco antes disso: quando eu declarei ao mundo que não gostava da série “Lost” (ABC), alguns desses “nerds empoderados” que, no passado, viviam de cabeça baixa aguentando inúmeros tipos de humilhações, se viram no direito de me desmoralizar, enchendo o peito, ajeitando o óculos no rosto, e gritando para os quatro cantos da internet:

“Quem não gosta de Lost é burro e não entende a série.”

Eu aguentei isso calado até o final de “Lost” (onde, por sinal, eu acertei tudo o que iria acontecer mesmo sem ver a série), porque não estava disposto a perder meu tempo com esse tipo de gente.

O mesmo se repetiu (em menor escala) com “Game of Thrones” (HBO), que eu também não assisti porque eu não tinha a menor paciência com a história. E o episódio final, com todos os acontecimentos apresentados, foi o meu prêmio por ter poupado oito anos da minha vida.

No caso dos “nerds empoderados” leitores de quadrinhos, o comportamento não é muito diferente: eles se sentem donos dessas obras porque acompanharam todas as histórias desde o começo, sabem de cor os nomes dos personagens, suas habilidades, as diferentes pessoas que “vestiram o manto” de um determinado herói e até mesmo a cor da cueca que o Stan Lee estava usando quando morreu.

Ou seja, são profundos conhecedores da obra que não se limitam em compartilhar o conhecimento adquirido ao longo dos anos. Essas pessoas entendem que são portadoras do direito de determinar quem é fã de verdade dos conteúdos da Marvel, classificando aqueles que chegaram depois de 2008 como “modinhas”.

Na verdade, vão além: tratam aqueles que são fãs do MCU como “raças inferiores”, praticando todo o tipo de verborragia e preconceito nas redes sociais contra aqueles que só se interessaram pelas tão sagradas histórias a partir do filme “Homem de Ferro” (2008).

Então… normalmente é o mesmo tipo de fã que acha um absurdo o Pantera Negra ser uma mulher, ou que a Capitã Marvel seja a mais poderosa no MCU.

Na verdade, o “nerd empoderado” até tem o direito de defender o legado que ele ajudou a manter até agora. Porém, só posso entender que esse tipo de postura pedante e arrogante demonstra a mais profunda burrice e ignorância que alguém pode ter sobre algo que, em termos práticos, sempre deveria pertencer a um grupo muito maior.

E agora que Kevin Feige conseguiu isso, o “nerd empoderado” se comporta como “nerd chato”, reclamando que a Marvel virou mainstrem.

 

“C” de Cinematográfico

A partir de agora, esse artigo passa a ser ainda mais pessoal. Vou compartilhar com você os meus profundos pensamentos e sentimentos sobre as histórias da Marvel e em como vejo todo esse momento presente que se construiu a partir de 2008.

E espero, de coração, que o “nerd chato” tenha o mínimo de empatia e respeito pelo o que vou escrever.

Segue…

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Sendo bem franco: a Marvel não era nada antes do MCU chegar.

A editora quase foi à falência, negociou os direitos dos seus principais personagens para os cinemas à preço de banana (e isso só resultou em filmes que, em sua esmagadora maioria, são um lixo) e, no final das contas, foi vendida para a Disney.

E foi a Disney quem reergueu a Marvel, transformando a marca em uma gigante do entretenimento.

Se não fosse a Disney, a visão criativa de Kevin Feige e o MCU, a Marvel ainda seria sinônimo de nicho. De “nerd chato”. De gente esquisita que até 15 anos atrás era zoada pelos valentões do colégio.

Se o nerd se tornou popular hoje, o MCU tem boa parte desse mérito. Quando as histórias da Marvel se popularizaram e alcançaram o grande público, um grupo de pessoas que antes eram marginalizadas e discriminadas foram reconhecidas como aqueles que melhor compreenderam este universo.

E devo reconhecer que alguns dos verdadeiros “nerds engajados” (os verdadeiros, não aqueles que passaram a me tratar como um imbecil porque eu não fazia ideia de quem era o Adam Warlock até 2019) me ajudaram a compreender os personagens, as histórias e, principalmente, as lições que eu poderia aprender com todas as narrativas.

Quando eu assisti “Homem de Ferro” pela primeira vez, fui aos cinemas meio incrédulo sobre as chances desse filme dar certo. E terminei surpreso com todo o potencial que o longa tinha para se tornar em uma importante peça da cultura pop. Algo que, convenhamos, ficava muito mais fácil com todo o carisma de Robert Downey Jr.

Então, entender que o que Kevin Feige estava construindo era algo nunca antes visto na história do cinema me instigou a acompanhar os demais projetos futuros. A Marvel Studios estava entregando um universo totalmente conectado, com a mesma estrutura de uma série de TV.

Para entender a “Saga do Infinito” como um todo, foi preciso assistir a 23 filmes. Quando que o cinema fez isso antes?

Isso mesmo: nunca.

Kevin Feige entregou uma revolução para os cinemas. Uma reinvenção. Redefiniu as regras do jogo. E irritou as mentes mais conservadoras, como Francis Ford Copolla e Martin Scorsese.

E, convenhamos: o cinema blockbuster e até mesmo o cinema como um todo depende (e muito) dos filmes do MCU, pois são aqueles que entregam gigantescas bilheterias a cada lançamento. São esses filmes que entregam salas lotadas, vendas de itens das caríssimas bombonieres e a manutenção das mensalidades dos serviços de streaming.

Logo, tanto o “nerd chato” como a indústria de cinema precisam agradecer de joelhos ao Kevin Feige por idealizar, desenvolver e executar o MCU.

Mas… como espectador, tudo isso tem pouca importância.

Antes de 2008, eu não fazia a menor ideia de quem era Tony Stark, Steve Rogers, Isaiah Bradley, o rei T´Challa, Peter Quill, Carol Danvers, Natasha Romanoff e tantas outras pessoas que decidiram usar de poderes e muita coragem para defender aqueles que não tem poder nenhum. O máximo que conhecia desse grupo era mesmo o Peter Parker (aka Homem-Aranha), o personagem mais popular da Marvel.

Eu só conheci essas pessoas (e me interessei de verdade por elas) graças ao MCU. E não me arrependo em nada por todo o dinheiro investido em ingressos para os cinemas nos últimos 14 anos.

Conhecer as histórias da Marvel através do MCU me abriu as portas para narrativas incríveis. Alimentou em mim um respeito ainda maior por pessoas como Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko e tantos outros que emprestaram o seu talento e criatividade para apresentar visões de mundo diretamente conectadas com a nossa realidade, apresentando temas que precisavam ser debatidos pelas novas gerações.

Foi então que percebi que as histórias da Marvel conversam muito mais com o meu interior do que eu poderia imaginar. E você não faz ideia do quanto isso é gratificante e reconfortante.

Perceber que a minha visão de mundo não é isolada, que a minha voz como indivíduo não está abafada, e que um grupo de pessoas estão dispostas a defender as ideias de progresso e luta pelo bem comum é o mesmo que ser salvo constantemente pelo escudo do Homem de Ferro ou pelo martelo do Thor.

Parte da minha sanidade mental e da minha fé na humanidade foram restauradas ao longo dos últimos 14 anos porque eu tive a paciência em aprender com cada uma das histórias apresentadas nos filmes da Marvel Cinematic Universe. E me arrisco a dizer que essa jornada ajudou um homem adulto e teoricamente formado nos seus conceitos morais e éticos a ser um homem melhor.

Então, enquanto eu via o “nerd chato” reclamar da narrativa de “Os Eternos”, eu terminei o filme pensando em questões como “até onde somos capazes de ir se descobrimos que as pessoas que mais amamos estão em risco porque o mundo vai acabar?”. Tá, eu posso ter assistido o filme pela ótica errada. Mas ninguém vai tirar de mim o que aprendi com ele.

Da mesma forma que “Vingadores: Ultimato” não apenas amarra com a promessa de vingança que Tony Stark fez à Loki no topo da Torre Stark. O filme também fala sobre como lidar com o luto, sobre arrependimento, sobre se permitir a aproveitar uma segunda chance, sobre compreender e reparar o passado, sobre reinvenção e a necessidade de reescrever a história de nossas vidas sempre que possível.

Eu aprendi tantas coisas boas com os filmes do MCU, que só posso ser grato por eles existirem. E acho que os “nerds chatos” que insistem em rotular quem chegou por último nesse universo jamais vão entender como essas histórias transformaram a minha visão de mundo e o interior de muita gente.

Para terminar, eu só tenho um arrependimento neste aspecto: em não começar a acompanhar essas histórias antes.

Se eu soubesse que as histórias da Marvel eram tão ricas e tão conectadas com o nosso mundo real (especialmente com os problemas que precisavam ser discutidos com as novas gerações) certamente eu seria uma pessoa ainda mais consciente sobre o meu papel no mundo e sobre a importância que tenho em tentar fazer a diferença por aqueles que pouco ou nada podem fazer nos momentos de fraqueza ou dificuldade.

Felizmente, a minha consciência sobre empatia, fraternidade, solidariedade e esforço pelo bem comum foi despertada por outras vias. Os filmes do Superman, a minha própria existência como homem preto em um país como o Brasil, as dores e dificuldades que meus pais passaram na vida e todas as pessoas que choraram no meu ombro por conta de inúmeros problemas emocionais, pessoais e financeiros.

A Marvel e os filmes da Marvel Cinematic Universe me mostraram que eu estava no caminho certo, e reforçaram em mim o desejo de ir além do que apenas dizer que quero ajudar. Me inspirou a arriscar a minha popularidade e imagem pública para defender o que é certo e justo em diferentes esferas da sociedade e em diferentes regiões do Brasil.

Hoje, não tenho medo de “dar a cara para bater” para cravar o dedo na ferida e, de alguma forma, tentar melhorar o mundo para todos.

É isso o que eu tenho a dizer ao “nerd chato”, que tem todo o direito de ser o “nerd engajado”. Aliás, deve.

Porque um dia, em algum momento, um idiota qualquer que vai pensar que é um titã louco pode assumir o poder no Brasil. E quando isso acontecer, eu quero lutar lado a lado dos “nerds engajados”.

Porque hoje eu sei o suficiente das histórias da Marvel para poder dizer com consciência o seguinte:

“Você não entendeu nada!

Não tem trono!

Não existe uma versão na qual você vai sair por cima.

Talvez o seu exército venha, e talvez ele seja demais para a gente, mas nós queremos você!

Porque se não pudermos proteger a Terra…

…com certeza nós vamos vingá-la!”


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