A cidade de Barcelona brilha sob os holofotes do Mobile World Congress, evento que atrai gigantes globais para exibir dispositivos de tecnologia que representam o futuro do setor de mobilidade. E nós adoramos testemunhar essas inovações.
Por trás do glamour do evento, esconde-se uma realidade incômoda: a Europa, anfitriã da maior feira de mobilidade do mundo, tornou-se mera espectadora do jogo que antes liderava.
As empresas asiáticas e norte-americanas dominam os pavilhões com inteligência artificial, redes 5G e dispositivos revolucionários. Enquanto isso, o Velho Continente se apega a um papel secundário — aplaudindo inovações que não cria.
Como a Europa chegou a esse ponto? E, o mais importante: o continente tem alguma saída para esse labirinto de dependência tecnológica?
MWC: um palco onde a Europa não é estrela
Caminhar pelos corredores do MWC é testemunhar uma geopolítica em ação.
A Qualcomm exibe chips que alimentam metade dos smartphones globais; a Xiaomi surpreende com carros elétricos; a Huawei debate padrões de 6G. Enquanto isso, o pavilhão europeu parece um oásis de discursos sobre “colaboração” e “sustentabilidade” — temas nobres, mas que soam como desculpas para a ausência de protagonismo.
A ironia é amarga. Barcelona, cidade que abriga o evento, é também sede de dezenas de startups promissoras. Mas… quantas dessas pequenas empresas chegam ao hall principal?
O 4YFN, espaço para empreendedores, parece um jardim de infância ao lado dos megaestandes chineses. E não estamos falando apenas de hardware: até em software e IA, áreas com menos barreiras, a Europa falha em gerar líderes globais.
O que está faltando para o Velho Continente? Escala? Ousadia? Ou uma visão que transcenda as fronteiras nacionais?
A lição é clara. Enquanto a Ásia investia em escala e os EUA em ecossistemas de startups, a Europa dormiu no acervo de suas conquistas.
Regulou excessivamente, inovou timidamente e assistiu, ano após ano, à erosão de sua soberania digital.
O resultado de tudo isso? Empresas como a Telefónica, hoje, implorando por flexibilidade regulatória para competir, enquanto startups locais lutam por visibilidade em um mar de gigantes estrangeiros.
Soberania tecnológica é mais do que um slogan
Soberania tecnologia é algo que vai além do aspecto meramente econômico. É também a capacidade de influenciar os rumos da revolução digital.
Hospedar o Mobile World Congress tornou-se um privilégio que mascara uma realidade incômoda: a Europa assiste, aplaude, mas não determina os rumos da tecnologia.
A verdadeira grandeza estaria em participar como protagonista, em escrever os capítulos futuros da tecnologia global, e não apenas em decorar o palco onde outros performam. O desafio posto é ressignificar esse papel, transformar a condição de espectador em construtor ativo do futuro digital.
Enquanto os pavilhões do MWC seguem se enchendo de visitantes deslumbrados, a Europa precisa urgentemente repensar sua estratégia. Não se trata apenas de competir, mas de reinventar sua própria narrativa tecnológica.
No fim do túnel, há uma luz de esperança, e pode não ser o trem vindo na direção contrária.
Empresas como a alemã Aleph Alpha, rival europeia da OpenAI, mostram que é possível inovar sem copiar modelos. A Espanha, com sua rede de fibra óptica exemplar, poderia liderar em conectividade.
Mas isso exige mais que investimento: requer uma mudança cultural. Menos burocracia, mais incentivo a scale-ups, e uma narrativa que una países fragmentados em um único mercado digital.
O debate não é mais sobre nostalgia, pois a Nokia é um exemplo claro de que isso não é o suficiente para resgatar uma marca icônica para reconquistar um falso protagonismo no setor de mobilidade.
Quando a Europa passa a depender de redes 5G chinesas, algoritmos americanos e semicondutores asiáticos, ela cede não apenas mercado, mas também o controle sobre o futuro do setor.
A União Europeia fala em “digital sovereignty”, mas projetos como o Gaia-X (nuvem europeia) avançam a passos lentos, engolidos por AWS e Google Cloud.
O MWC não precisa ser um espelho de derrota, mas sim um sinal de alerta.
Barcelona tem o privilégio de sediar o futuro — agora, precisa inspirar a Europa a construí-lo. Isso demanda coragem para desregular setores-chave, apostar em unicórnios tecnológicos e, sobretudo, reimaginar a inovação não como um luxo, mas como uma questão de soberania.
Enquanto o mundo assiste à próxima revolução — seja em IA quântica ou metaverso —, a Europa tem uma escolha: continuar emprestando seu palco ou subir nele para brilhar.
A hora de decidir é agora.