Na boa?
Eu não sei o que deu na Netflix, nos votantes do Festival de Cannes, nos membros da Academia de Hollywood e em metade do mundo civilizado. Pois não consigo entender (muito menos aceitar) como que “Emilia Pérez” conseguiu tanto prestígio e absurdas 13 indicações ao Oscar 2025.
Dou razão aos mexicanos. O filme não pode representar o seu povo, muito menos um tema tão sensível quanto o narcotráfico e suas mazelas geradas em pessoas comuns, que perdem parentes e amigos para o crime.
Priorizar a narrativa da transição de gênero para jogar fora todo o resto foi uma manobra arriscada, safada e cretina. Temos um filme que falha na sua proposta em levantar uma discussão importante, entregando uma narrativa rasa e um final extremamente irritante.
Do que se trata?
“Emilia Pérez”, filme dirigido por Jacques Audiard, é (tecnicamente) uma comédia musical com drama, e explora temas profundos e polêmicos para ganhar visibilidade e respeito.
A identidade de gênero e o processo de transição, a busca por recomeçar e a jornada de redenção são os três pilares que sustentam o filme o tempo todo.
A narrativa gira em torno de Rita, uma advogada desiludida interpretada por Zoe Saldana, que se vê envolvida em uma proposta inusitada: ajudar Manitas (Karla Sofía Gascón), um chefe de cartel mexicano, a abandonar sua vida criminosa e realizar seu sonho de se tornar Emilia Pérez, a mulher que sempre desejou ser.
Por que “Emilia Pérez” é uma alucinação coletiva?
Vamos lá…
Não podemos dizer que a proposta principal de “Emilia Pérez” não é inovadora. Falar sobre transição de gênero dentro de um ambiente violento e hostil é algo diferente e ousado, e levanta sim uma discussão sobre as questões de identidade e aceitação pessoal.
O problema é que o filme foca demais nisso como elemento motivador do personagem central e deixa todo o resto para escanteio, com todas as subtramas sendo jogadas pontualmente, como elementos que são pinçados para não serem plenamente desenvolvidos.
Mesmo assim, “Emilia Pérez” traz personagens bem desenvolvidos. Rita, a advogada, é retratada como alguém mais interessada em libertar criminosos do que em seguir a lei. O que faz todo o sentido pela forma em como ela começa a trama, completamente desiludida com o sistema e com os rumos que sua carreira tomou.
A relação entre Rita e Manitas/Emilia se torna um ponto central da história, explorando a ambiguidade moral de suas escolhas das duas personagens. É quase uma inversão de papeis, já que Pérez efetivamente se arrepende do passado, e busca fazer alguma coisa para quem está sofrendo no presente.
Esse é o ponto mais interessante do filme. De longe. Aliás, méritos para Zoe Saldana e Karla Sofía Gascon, que mostraram uma ótima química em cena.
E por conta disso (também) temos a primeira atriz abertamente trans a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Gascón é a melhor coisa desse filme, e recebe com méritos os louros de sua performance multifacetada e complexa.
A busca por perdão e a luta contra o passado violento são outros pontos válidos e interessantes na trama, já que o filme questiona como lidar com a violência e as hipocrisias sociais o tempo todo.
Por outro lado…
Selena Gomez não devia ter chegado perto desse filme. É inacreditável como a mesma atriz reconhecida pela boa performance em “Only Murders in the Building” está tão mal aqui.
Ser um musical não ajudou para “Emilia Pérez”. Não redefiniu o gênero. Apenas deu motivos para que aqueles que odeiam a proposta mantenham o seu pensamento de repulsa.
Tudo o que foi cantado no filme poderia ser substituído por diálogos mais densos e com carga dramática, onde questões morais poderiam ser levantadas, e até mesmo os atores poderiam mostrar mais o seu talento.
Acontece que Jacques Audiard e seu time de roteiristas não passam de um bando de preguiçosos, se valendo do artifício de musical para avançar a trama de forma até revoltante.
O último ato de “Emilia Pérez” é o que mais deixa claro que eles nem tentaram.
O conflito é jogado em modo “qualquer nota”, seu desenvolvimento é óbvio e o final é algo previsível. Algo simplesmente horroroso.
Sinceramente… o filme que o boneco de neve vira um cara de verdade por causa de um cachecol mágico, com as coroas doidas para ver o “jingle bells dele”… consegue ser melhor na estrutura narrativa que “Emilia Pérez”.
Sim, amigos… é um filme da Netflix, e não é dos melhores.
E não me entendam mal.
Não estou aqui com o ranço do brasileiro Pacheco, falando mal do filme apenas e tão somente porque ele é concorrente do nosso tão amado “Ainda Estou Aqui”.
Não é este o caso.
Qualquer pessoa que entende só um pouquinho do assunto, ou qualquer bom observador vai detectar os mesmos problemas que eu vi nesse longa, que se arrasta na segunda metade.
Todo e qualquer filme que você antecipa o final NA METADE é sim um filme preguiçoso na sua narrativa.
É sim de se questionar como que “Emilia Pérez” conseguiu 13 indicações ao Oscar 2025. A Netflix comprou todo mundo na Academia de Hollywood. Só pode!
E pensar que “Roma”, uma obra prima do cinema, não chegou perto de ter as chances para Melhor Filme como essa aberração coletiva de “Emilia Pérez” tem neste exato momento.
Se essa porcaria ganhar de “Ainda Estou Aqui” como Melhor Filme Internacional, é a prova cabal de que esse lixo chamado Academy Awards é sim o prêmio “eu abro as pernas para quem me paga mais”.
E devemos sim desistir de ganhar uma estatueta. Deixa isso pra lá. Não é pra gente.