Press "Enter" to skip to content

Donald Trump vs Elon Musk: entenda a treta

Compartilhe

Mas… “eles eram tão amigos…”.

A relação entre Donald Trump e Elon Musk, que por meses foi apresentada como uma parceria estratégica entre o poder político e o capital privado, sofreu uma deterioração dramática que resultou em uma guerra pública sem precedentes.

A ruptura, que inicialmente começou como divergências sobre políticas fiscais, evoluiu para ameaças diretas que colocam em risco bilhões de dólares em contratos governamentais e comprometem projetos espaciais críticos para os Estados Unidos.

Apesar de todos testemunharem como essa briga emergiu, está todo mundo meio perdido com os últimos acontecimentos. A troca de falas se tornou pública nas últimas horas, e alguém precisa explicar melhor o que exatamente aconteceu para que todos possam entender até mesmo por que existe uma crise sem precedentes, prejudicando tanto o governo norte-americano como os negócios da Tesla e da SpaceX.

Bom… aqui estou eu, mais uma vez, fazendo o trabalho sujo.

 

A última gota d’água dentro do copo cheio

O estopim da crise foi a posição crítica de Musk em relação ao projeto de lei fiscal ‘One Big Beautiful Bill’ proposto pela administração Trump. O CEO da Tesla classificou a legislação como uma “repugnante abominação”, argumentando que ela aumentaria a dívida pública em vez de reduzi-la, contradizendo frontalmente a narrativa oficial do governo.

A crítica pública desencadeou uma série de ataques mútuos que rapidamente saíram do controle, transformando diferenças políticas em ataques pessoais diretos.

A dinâmica do conflito revela características fundamentais da personalidade de ambos os protagonistas: tanto Elon Musk quanto Donald Trump compartilham uma “incomensurável sede de atenção”, o que transformou um debate sobre políticas públicas em um espetáculo midiático destrutivo.

O que começou como uma divergência sobre responsabilidade fiscal rapidamente degenerou em acusações pessoais, incluindo referências controversas que chegaram ao ponto de Musk sugerir conexões entre Trump e Jeffrey Epstein.

E quem sabe o que aconteceu no mais do que controverso caso Jeffrey Epstein entende muito bem onde Elon Musk quis chegar com essa associação. Mas como eu não quero ter esse conteúdo desmonetizado, vou me limitar a dizer um “pesquise na internet” para saber mais detalhes.

 

Os impactos na Tesla

As consequências financeiras da ruptura foram imediatas e brutais para a Tesla. As ações da empresa despencaram 14,26% em uma única sessão, eliminando mais de 100 bilhões de dólares em capitalização de mercado.

Essa queda representa não apenas uma perda financeira que, para uma empresa com o porte da Tesla, é enorme. É também um sinal de alarme sobre a vulnerabilidade das empresas de Musk às mudanças políticas e regulatórias, tal e como acontece com a grande maioria das empresas do mundo.

Os investidores, que haviam apostado centenas de bilhões de dólares em ações da Tesla após a eleição de Trump, esperando políticas favoráveis aos veículos elétricos e à tecnologia de condução autônoma, descobriram abruptamente o quão arriscada essa aposta poderia ser. A volatilidade extrema das ações reflete a dependência perigosa da empresa em relação a decisões políticas e subsídios governamentais.

O setor de veículos elétricos enfrenta uma ameaça específica com as políticas fiscais propostas pela administração Trump. Segundo análises do JPMorgan, a eliminação do crédito fiscal de 7.500 dólares para veículos elétricos poderia representar uma perda de 1,2 bilhão de dólares no benefício anual da Tesla.

A lei fiscal de Trump, caso seja aprovada, não apenas afetaria diretamente a rentabilidade da empresa de Musk, mas também prejudicaria sua competitividade no mercado doméstico americano.

E não podemos nos esquecer que Trump prometeu recuperar a indústria automotiva a todo custo durante sua campanha presidencial, mas não é bem isso o que está acontecendo: as montadoras foram as mais afetadas com o seu “tarifaço”, pois não só peças como parte da montagem logística dos automóveis norte-americanos dependem justamente do fluxo logístico com o México.

Sem falar que os carros de montadoras asiáticas seguem como líderes de vendas nos Estados Unidos e, falando especificamente no problema que afeta a Tesla, a BYD segue dominando no segmento de carros elétricos.

A situação se torna ainda mais preocupante considerando que a Tesla estava apostando fortemente no desenvolvimento de robotaxis como sua próxima fronteira de crescimento. Com planos para implementar o serviço em 20 a 25 cidades no próximo ano, qualquer intensificação do ambiente regulatório poderia atrasar significativamente esse cronograma, comprometendo uma das principais apostas estratégicas da empresa.

 

Programa espacial e Estação Espacial Internacional ameaçados

O conflito entre Trump e Musk transcendeu o setor automotivo e atingiu diretamente o programa espacial americano, colocando em risco projetos críticos para a segurança nacional e a cooperação internacional.

Trump ameaçou cancelar todos os subsídios e contratos governamentais das empresas de Musk, o que afetaria múltiplos programas da NASA, incluindo os voos de reabastecimento e transporte de astronautas para a Estação Espacial Internacional.

A decisão de Trump de remover Jared Isaacman — figura próxima de Musk e envolvido com programas espaciais tripulados — da liderança da agência espacial norte-americana foi interpretada como um golpe direto nas operações da SpaceX.

Para quem não sabe, a SpaceX mantém contratos governamentais robustos, estimados em aproximadamente 3 bilhões de dólares, distribuídos entre cerca de 100 contratos com 17 agências federais diferentes.

São contratos que não se limitam apenas ao transporte espacial, mas incluem serviços críticos para a defesa nacional e a pesquisa científica. A ameaça de cancelamento é um precedente perigoso que poderia comprometer a continuidade de programas espaciais considerados essenciais para diferentes setores da gestão norte-americana.

A resposta de Musk foi igualmente dramática e potencialmente destrutiva (já que Elon nunca gosta de se sentir por baixo ou sem o controle de narrativa). O empresário ameaçou simplesmente desmantelar imediatamente o programa Dragon da SpaceX, a única opção americana disponível para transporte de tripulação de e para a Estação Espacial Internacional.

Essa ameaça é particularmente preocupante, considerando que a cápsula Starliner da Boeing permanece em um limbo operacional indefinido, deixando os Estados Unidos sem alternativas domésticas para o transporte espacial tripulado.

O impacto potencial desta guerra vai além dos interesses comerciais americanos. A NASA havia se comprometido com seus parceiros internacionais a manter a ISS operacional até 2030, e qualquer interrupção nos serviços da SpaceX poderia comprometer esses acordos internacionais.

Além disso, a agência havia contratado a SpaceX para desenvolver a nave espacial responsável por desorbitar a ISS após 2030, um projeto crítico para evitar que a estação de 455 toneladas se torne um perigo espacial descontrolado.

Lembrando sempre que Elon Musk fez todas essas ameaças na sua rede social, o X (antigo Twitter), e muito provavelmente não chegou perto de consultar acionistas e investidores da SpaceX antes de compartilhar o que pensa sobre o assunto.

 

Inovação tecnológica ameaçada nos Estados Unidos

O conflito entre Musk e Trump revela tensões mais profundas sobre o papel da inovação privada no desenvolvimento tecnológico nacional.

A SpaceX revolucionou o setor espacial americano, reduzindo drasticamente os custos de lançamento e restaurando a capacidade americana de transporte espacial tripulado. Qualquer interrupção nestes serviços poderia comprometer a liderança americana no espaço e beneficiar competidores internacionais como China e Rússia.

No setor automotivo, a Tesla desempenhou um papel fundamental na aceleração da transição para veículos elétricos, forçando fabricantes tradicionais a acelerar seus próprios programas de eletrificação.

As ameaças de eliminação de subsídios e intensificação da regulamentação podem retardar essa transição, comprometendo objetivos ambientais e de competitividade tecnológica.

A situação também levanta questões sobre a concentração de contratos governamentais em empresas controladas por uma única pessoa, algo que, no Brasil, já seria motivos mais do que suficientes para iniciar, no mínimo, uma investigação sobre a lisura desses contratos.

É óbvio que todos os acordos podem ser lícitos, e que os mecanismos para os acordos de iniciativa público-privada podem ser diferentes do que aqueles estabelecidos no Brasil. Por outro lado, a forte ruptura entre Trump e Musk pode revelar a essência dessa parceria nos aspectos financeiros, uma vez que agora todo mundo sabe como Elon se beneficiou do período que ficou no comando do DOGE.

A dependência americana em relação às empresas de Musk para serviços espaciais críticos revela uma vulnerabilidade estratégica que pode ser explorada por adversários ou comprometida por conflitos políticos internos.

 

Sinal de alerta para outros empresários

A guerra entre Musk e Trump estabelece um precedente preocupante sobre como o poder político pode ser usado contra empresários que se opõem às políticas governamentais. A situação serve como um “aviso para o resto dos milionários que apoiaram” Trump, demonstrando que o apoio político pode ser rapidamente revertido em retaliação econômica.

O caso deixa evidente a vulnerabilidade inerente das empresas que dependem de contratos e subsídios governamentais nos Estados Unidos. A capacidade do governo de cancelar contratos por motivações políticas levanta questões fundamentais sobre a estabilidade do ambiente de negócios e a separação entre interesses políticos e econômicos.

Essa situação pode desencorajar outros empresários de se envolverem no processo político, temendo represálias semelhantes.

A natureza pública e agressiva do conflito também demonstra como as redes sociais podem amplificar disputas privadas, transformando-as em crises que afetam mercados globais e projetos de interesse nacional.

A utilização de plataformas como X (anteriormente Twitter) e Truth Social para trocar ameaças públicas representa uma nova forma de diplomacia corporativa que pode ter consequências econômicas devastadoras.

 

O que pode acontecer a seguir?

Os mercados financeiros já demonstraram sua volatilidade em resposta a disputas políticas, com a Tesla perdendo 150 bilhões de dólares em valor de mercado em apenas algumas horas. A instabilidade não apenas afeta investidores privados, mas também pode comprometer a confiança internacional na estabilidade do ambiente de negócios americano.

A ISS representa não apenas um investimento de décadas em cooperação internacional, mas também uma plataforma essencial para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico. Qualquer interrupção nos serviços de transporte espacial teria consequências que se estenderiam muito além da esfera política americana.

Para o setor de veículos elétricos, a incerteza regulatória pode retardar investimentos em infraestrutura e desenvolvimento tecnológico. A indústria precisa de sinais claros sobre políticas de longo prazo para planejar adequadamente a transição energética e manter a competitividade global.

A situação atual demonstra a necessidade de mecanismos mais robustos para separar interesses comerciais de disputas políticas pessoais.

O desenvolvimento de frameworks regulatórios mais estáveis e previsíveis poderia reduzir a vulnerabilidade das empresas inovadoras a mudanças políticas abruptas, promovendo um ambiente mais favorável ao investimento e à inovação de longo prazo.

 

Via Washington Post, The Wall Street Journal, The Verge


Compartilhe