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“Deadpool & Wolverine”, um ensaio sobre a decadência do cinema de super-heróis que pode mudar a filosofia da Marvel Studios

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“Deadpool & Wolverine” é sim um ótimo filme… para o que se propõe a fazer. E bater nessa tecla é importante para que sua análise não caia no pedantismo de compará-lo com um filme do Martin Scorsese.

De forma objetiva, o filme é um delírio nerd recheado de meta comédia, que se transforma em um ensaio interativo muito lúcido sobre o esgotamento do cinema de super-heróis que não pretende dar respostas sobre sua sobrevivência.

Na prática, ele só quer entregar tudo o que a Marvel Studios não teve coragem de oferecer ao seu público (que cresceu): piadas adultas, sangue em abundância e humor depreciativo.

 

Uma comédia de autor irreverente e estúpida

James Gunn bem que tentou entregar na Marvel Studios filmes mais adultos, mas nunca recebeu essa autorização. E foi comandar a DC Studios.

E diante de todos os fracassos dos filmes anteriores, não sobrou outra alternativa para Kevin Feige: entregou para Ryan Reynolds o direito de fazer de “Deadpool & Wolverine” o seu filme.

Tom, atitude, edição, roteiro… tudo ali tem a assinatura de Reynolds, que se distancia da Marvel tradicional e está mais próximo do American Pie.

E isso passa bem longe de ser um problema neste caso.

Todos os filmes da franquia Deadpool contam com uma aura inconfundível, estabelecendo conexão com a audiência e identidade própria.

Mais do que isso: são filmes com personalidade, assumindo riscos, mesmo com seus erros. Pois sabe que, no meio do caos, acerta.

Por outro lado, “Deadpool & Wolverine” expõe de forma escancarada o fracasso do Multiverso da Marvel Studios, que agora se vê em um beco sem saída.

 

O dilema da Marvel Studios diante da violência

A Marvel Studios tirar sarro da Marvel não é algo novo. As meta piadas estão nos seus filmes desde 2016, e Deadpool sempre focou nas reflexões corporativas em suas narrativas.

A piada do “Jesus da Marvel” (que se repete constantemente no filme) passa também pelo contraste do cenário da compra da Fox e irônica decisão de “Marvelizar” o próprio Deadpool.

Algo que seria impossível para Kevin Feige.

O personagem tem uma espécie de “compromisso” com a sua audiência em entregar piadas adultas e disruptivas. E isso jamais poderá ser quebrado após “Deadpool & Wolverine”.

E o que é pior para a própria Marvel Studios: “Deadpool & Wolverine” é (muito provavelmente) o filme com censura 18 anos mais caro da história e, ironicamente, será a maior bilheteria de todos os tempos com essa classificação.

A regra da Marvel Studios “politicamente correta” pode ter se quebrado para sempre. E Kevin Feige poderia evitar essa vitória agridoce se tivesse olhado para o que “Logan” fez, anotado tudo e iniciado ANTES uma transição das histórias para um tom mais adulto.

Kevin não se deu conta que o público que começou a ver as histórias da Marvel Studios nos cinemas com “Homem de Ferro” em 2008 cresceu e amadureceu.

E sem Tony Stark pra fazer piadas, a virada de página era a transição para o amadurecimento das histórias a serem contadas.

 

A vitória dos quadrinhos nos cinemas

Pode até parecer um certo cinismo da minha parte, mas… “Deadpool & Wolverine” é uma vitória moral da Fox no além-túmulo. Um fim de ciclo digno para um legado que não deixou boas recordações.

Ou quem sabe todo mundo foi exigente demais na época com alguns filmes da Marvel produzidos pela Fox. Digo isso porque, no final, a nostalgia prevalece quando olhamos para tudo o que foi feito lá atrás e pensamos “é… até que foi bom…”.

Por outro lado, “Deadpool & Wolverine” mostra que tudo o que poderia ser feito antes nem era tão difícil de fazer, mas os envolvidos na época insistiram em seguir para um caminho mais difícil.

Afinal de contas… qual era a dificuldade em colocar o Wolverine nesse maldito uniforme amarelo e azul com a sua máscara? Era isso o que os fãs queriam desde o início.

Isso amplia a derrota de Kevin Feige em seu próprio jogo. Um Ryan Reynolds veio do nada para mostrar como o Multiverso pode ser usado simplesmente para agradar os fãs.

A Marvel Studios não conseguiu orquestrar a sua própria ideia. Na verdade, esbarrou com a solução de Reynolds em “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”, onde se valeu das realidades paralelas para entregar o fan service.

Algo que “Deadpool & Wolverine” faz de forma plena ao trazer o Wolverine de Hugh Jackman de volta. Algo que era considerado impossível para muitos.

Kevin Feige finalmente entendeu o que aconteceu aqui. Tanto, que fez algo ainda mais impossível: trouxe Robert Downey Jr. de volta para o MCU.

Fan service.

Nada de novo.

 

O arquétipo de “Deadpool & Wolverine”

De novo: “Deadpool & Wolverine” é ótimo para o que se propõe, mas não é isento de problemas.

Além do erro grosseiro de narrativa, o filme cai no clássico “Marvel Team-Up”, onde heróis precisam formar uma equipe para a resolução do conflito.

Algo que foi visto em vários outros filmes da Marvel Studios e também nos outros filmes do Deadpool.

Sem falar que a relação entre Wade Wilson e Logan pode muito bem ser vista que a repetição da dupla Deadpool e Cable do filme anterior, algo que funcionou muito bem.

Mas… perceba o padrão de repetição de fórmulas e estratégias, sem oferecer qualquer fator de inovação ou revolução narrativa.

Aqui, não cabe falar da insistência do humor de Ryan Reynolds, pois sem essa marca registrada não teríamos sequer Deadpool para comentar.

Mas vale o registro que Reynolds foi bem inteligente ao entregar esse humor para todas as participações especiais do filme, que são efetivas e influenciam no enredo da história.

São elevados toques de humor negro que fica no nível dos filmes do Mel Brooks. E esse pode ser o grande ponto de evolução de “Deadpool & Wolverine” em relação aos filmes anteriores do personagem.

O único grande problema é que “Deadpool & Wolverine” entrega várias piadas que só serão entendidas por aqueles que compreendem todos os paranauês da indústria do cinema.

Quem acompanhou como foi todo o processo de compra da Fox pela Disney (que resultou no fim da 20th Century Fox) vai se sentir contemplado com o humor apresentado.

Para os demais meros mortais e paraquedistas, muitas piadas vão passar batido, de forma inevitável. Mas este é o preço da aposta de Reynolds em promover a quebra da quarta parede a ponto de fazer humor com a realidade inserida na ficção.

 

Um novo ponto de partida? Ou uma exceção em um sistema conservador?

Essas são as duas perguntas mais importantes que “Deadpool & Wolverine” deixa para todo mundo, e que só serão respondidas com o passar do tempo.

A discussão sobre a reinvenção dos cinemas de heróis ou sua evolução inconstante vai continuar. E o filme só vai turbinar ainda mais o debate.

Hoje, entendo que tudo o que vimos em “Logan” seria o próximo passo nos filmes de super-heróis, considerando que “Batman: O Cavaleiro das Trevas” foi o ponto de inflexão para que a Marvel arriscasse tudo em “Homem de Ferro” para roubar a fatia do bolo criativo nos cinemas.

Mas (infelizmente) a Disney nunca teve a coragem de permitir que a Marvel Studios avançasse para um caminho mais ousado, uma vez que suas políticas de marketing e publicidade buscam o conservadorismo ao extremo.

Os números acachapantes de “Deadpool & Wolverine” nas bilheterias podem resultar em uma imobilidade industrial da Marvel como um todo.

Ou o caminho é replicar a fórmula do absurdo narrativo ao extremo, ou essa experiência será encarada como “única” para apenas turbinar os filmes no padrão anterior.

Um padrão envelhecido, que a grande maioria da audiência da Marvel não consegue mais se conectar.

Em termos práticos: os diretores de “Capitão América: Admirável Mundo Novo” e “Thunderbolts” estão ferrados, pois a missão de contar histórias empolgantes nos cinemas ficou cada vez mais complicada.

E não só porque “Deadpool & Wolverine” existe.

Mas também pela apelação de Kevin Feige e da Disney, que jogaram um caminhão de dinheiro na cara dos irmãos Russo e de Robert Downey Jr. para salvar a Marvel Studios.

Ryan Reynolds e Deadpool bagunçaram bastante as coisas na Marvel, criando um multiverso de possibilidades no mundo real com futuro totalmente imprevisível.


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