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Dark Patrerns: o que é, e como funciona

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Não faz muito tempo que escrevi sobre a prática da Microsoft em ocultar a possibilidade de assinatura do plano Clássico do Microsoft 365, o que pode servir como opção para aqueles que gostariam de usar o pacote de escritório sem o Copilot.

Essa é uma prática que é fruto da evolução do design da web, combinada com políticas questionáveis das empresas, que estudaram os hábitos dos consumidores, compreendendo o comportamento humano online.

É uma manipulação do consumidor, que é direcionado a realizar ações que só beneficiam as empresas, em detrimento do próprio usuário, que é feito de otário pelas grandes corporações.

A abordagem é conhecida como Dark Patrerns ou Padrões escuros. E é sobre isso o que quero conversar com você neste artigo.

 

As raízes históricas do Dark Patrerns

É um termo relativamente recente, mas em um conceito que existe há pelo menos um século.

Um exemplo disso.

Em 1920, a Beech Nut, especializada em produtos alimentícios, contratou o renomado Edward Bernays para realizar um estudo com cerca de 5.000 médicos. O objetivo era convencer o público de que um café da manhã robusto – com ênfase no bacon e em outros produtos de alta energia – era sinônimo de saúde.

A campanha não só transformou o bacon em um ícone do café da manhã americano (70% do bacon consumido nos EUA é ingerido nesse horário), como também evidenciou o potencial de técnicas de persuasão para alterar comportamentos.

Hoje, bem sabemos como o consumo exagerado do bacon está diretamente associado a riscos cancerígenos, sem falar nos problemas cardíacos, aumento de colesterol e outras complicações.

Os Dark Patrerns são estratégias de design que utilizam dados, princípios de psicologia e usabilidade para induzir o usuário a realizar ações que não estavam em sua intenção original.

Diferente de um design orientado para a experiência positiva do usuário – que segue heurísticas clássicas, como as propostas pelos “10 heurísticos de Nielsen” (1990) –, os padrões escuros manipulam o comportamento do usuário em favor de objetivos comerciais.

Entre os elementos manipulados estão a divulgação excessiva de informações pessoais, a inscrição involuntária em serviços ou a realização de compras sem o claro consentimento do consumidor.

É uma grande engenharia social meticulosamente planejada para enganar o consumidor, sem dar a chance de sequer levantar o questionamento sobre a validade da execução dessas práticas.

Harry Brignull, designer e um dos principais estudiosos do tema, foi pioneiro ao sistematizar essas práticas por meio do site darkpatterns.org.

Ao analisar diversos exemplos práticos, Brignull agrupou as técnicas manipulativas em 14 categorias, destacando a amplitude com que essas estratégias são aplicadas no ambiente digital.

São tantos padrões, que fica teoricamente impossível escapar de um sistema com Dark Patrerns nos dias de hoje. Mas ao menos podemos informar quais são todos eles, para que você possa ficar mais atento à prática no seu dia a dia.

 

As principais categorias de Dark Patrerns

A seguir, um resumo de cada uma das 14 categorias analisadas por Harry Brignull que revelam práticas de Dark Patrerns.

  1. Isca e Mudança
    Esta técnica consiste em apresentar ao usuário uma ação desejada – ou esperada – que, no último instante, é substituída por outra ação indesejada. Um caso emblemático foi o da atualização do Windows 10, onde fechar a janela de atualização resultava, de forma inesperada, na instalação de uma nova versão do sistema. Outro exemplo é a prática utilizada pela Nike, que forçou usuários a clicar em “Eu gosto” para liberar o acesso a um conteúdo audiovisual, vinculando essa interação à autorização para exibir o conteúdo no serviço de notícias do usuário.
  2. Perguntas Armadilhas
    Muito comuns em formulários de consentimento e inscrição, essas perguntas são formuladas de maneira a induzir o usuário a aceitar condições ou fornecer dados pessoais sem perceber que está optando por algo que, posteriormente, lhe trará incômodos, como a inscrição automática em newsletters.
  3. Anúncios Disfarçados
    Caracterizados por se misturarem ao conteúdo editorial ou à navegação do site, esses anúncios são apresentados de forma sutil, dificultando sua identificação como publicidade. Exemplos notórios incluem seções de “Notícias” que, na verdade, direcionam para páginas com anúncios ou links de download, como observado em alguns portais de notícias e sites de torrents.
  4. Continuidade Forçada
    A prática consiste em oferecer um serviço gratuito com a exigência de um cartão de crédito, de modo que, ao final do período experimental, o usuário seja automaticamente cobrado por um serviço que, muitas vezes, é difícil de cancelar. Serviços como Stamps.com, Buysubscriptions.com e Audible ilustram bem essa estratégia, na qual o cancelamento se revela tão complexo quanto inesperado.
  5. Roach Motel
    Inspirado na metáfora de um motel de barata – onde é fácil entrar, mas difícil sair –, esse padrão é especialmente prevalente em serviços de assinatura. A interface é projetada para que a inscrição seja simplificada, enquanto o cancelamento envolva múltiplas etapas, transferências entre departamentos e, muitas vezes, a ausência de opções claras na própria página de gerenciamento do serviço.
  6. “Stinging na Cesta”
    Prática comum em e-commerces, esse padrão adiciona, de maneira sutil, serviços ou produtos extras ao carrinho de compras do usuário. Exemplos incluem assinaturas premium ou softwares adicionais, que são inseridos sem a devida transparência, comprometendo a escolha consciente do consumidor.
  7. Divulgação Forçada
    Ao oferecer um serviço gratuito, algumas plataformas exigem que o usuário forneça uma quantidade excessiva de dados pessoais, que muitas vezes já estão disponíveis em outros documentos, como currículos. O Yahoo Hot Jobs, por exemplo, em 2010, pediu informações que iam além do necessário para a efetivação de uma vaga de emprego.
  8. Privacidade de Zuckering
    Nome inspirado em Mark Zuckerberg, esse padrão obriga os usuários a compartilharem mais informações pessoais do que desejam, geralmente por meio de interfaces tediosas e pouco intuitivas para ajustar configurações de privacidade – um problema que ganhou destaque, sobretudo, com as alterações promovidas pelo Facebook.
  9. Bloco de Estrada
    Aqui, o usuário é forçado a tomar uma decisão imediata, sob pena de ver seu serviço interrompido ou bloqueado. A Splunk, por exemplo, é conhecida por direcionar novos clientes a se inscreverem em newsletters obrigatórias, interrompendo a navegação caso a ação não seja confirmada.
  10. Bilhetes para Bill Faraway
    Refere-se à prática de migrar faturas físicas para o meio digital, dificultando o acesso a informações detalhadas e, consequentemente, a identificação de cobranças indevidas ou abusivas.
  11. Desorientação
    Com a intenção de distrair o usuário dos pontos realmente importantes, esse padrão utiliza elementos visuais e de layout para direcionar a atenção para opções indesejadas. Companhias aéreas, como a British Airways e a Ryanair, exemplificam essa prática ao destacarem, de maneira dissimulada, taxas extras e seguros de viagem, enquanto minimizam opções que permitiriam a recusa desses serviços.
  12. Amigo de Spam
    Em uma aparente oferta de conveniência, alguns sites solicitam credenciais de redes sociais ou e-mails, apenas para utilizar esses acessos na divulgação de conteúdo indesejado aos contatos do usuário, gerando uma cadeia de spam que prejudica a privacidade e a experiência digital.
  13. Comparação de Preços
    Certos sites, como o Currys.co.uk, adotam medidas que impedem o usuário de copiar e colar informações para comparar preços em outros portais. Essa técnica visa reduzir a transparência e dificultar a tomada de decisão informada pelo consumidor.
  14. Custos Ocultos
    Frequentemente observados em processos de compra, esses custos extras só se revelam na etapa final do pagamento, surpreendendo o usuário e, muitas vezes, inviabilizando o cancelamento ou ajuste da compra sem a devida clareza prévia.

 

Considerações éticas

Estamos diante de um paradoxo no design digital.

Enquanto a coleta e análise dos dados do usuário podem ser empregadas para criar experiências personalizadas e eficientes, o mesmo conhecimento pode ser distorcido para favorecer práticas que minam a autonomia e a transparência.

O Dark Patrerns se vale da manipulação sutil e aparentemente inofensiva, mas que pode resultar em consequências graves, como o fornecimento involuntário de informações sensíveis, cobranças inesperadas ou a exposição desnecessária a conteúdos indesejados.

Em várias ocasiões isso já aconteceu, e em um passado recente na internet.

Cambride Analytica e ChatGPT (via OpenAI) são dois exemplos emblemáticos. O primeiro vendeu os dados de usuários do Facebook, e o segundo não é transparente sobre como os dados das interações com o chatbot serão utilizados.

É uma questão ética complexa.

O que vale mais: obter lucro a todo custo, estimulando o engajamento e a conversão, ou reconquistar a confiança do consumidor, abalada quando percebe que suas escolhas são influenciadas por práticas de manipulação?

Certamente precisamos de um design ético, um modelo em que os objetivos comerciais estejam alinhados com o respeito aos valores e interesses dos usuários.

Neste sentido, a União Europeia atualizou suas diretrizes, implementando restrições para alguns dos padrões mais abusivos em sites de comércio eletrônico, na tentativa de proteger o consumidor de práticas enganosas que comprometem a transparência e liberdade de escolha no ambiente digital.

Vários especialistas têm defendido que o sucesso a longo prazo dessas ações preventivas depende da adoção de práticas que conciliem interesses comerciais e uma experiência de usuário verdadeiramente positiva.

Paul Brooks, um desses especialistas, propõe uma revisão dos objetivos de negócio, incentivando uma abordagem que priorize o conhecimento do usuário e a criação de interfaces intuitivas e éticas.

De forma semelhante, Jeniffer Winter recomenda a implementação de mecanismos que alertem o usuário – como lembretes para o fim do período de avaliação gratuita e opções de cancelamento simplificadas –, assegurando que todas as alternativas sejam apresentadas com o mesmo peso e clareza.

Mas para empresas como a Microsoft, que pensa exclusivamente no lucro na maioria dos casos, deixar de lado o Dark Patrerns pode representar um prejuízo enorme para ser administrado.

Logo, é melhor explorar os clientes, pois sai mais barato para a pobre Microsoft.


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