Nem precisa ser um Sherlock Holmes para chegar nessa conclusão.
A era do Peak TV chegou ao fim em 2024. Os investimentos em grandes produções foram enormes, impulsionando os serviços de streaming e, em paralelo, promovendo a popularidade de algumas das maiores séries de TV da história, como Game of Thrones e Breaking Bad.
Porém, a atual busca pela lucratividade está reduzindo esses investimentos, em paralelo com a queda do interesse dos assinantes, que estão cansados de pagar caro para ver produções que não são tão impressionantes, com plataformas que lotaram de publicidade as reproduções por streaming.
E isso está acontecendo no mundo todo.
Menos programas (bons), menos assinantes
Pela primeira vez em 10 anos, houve uma queda na produção de séries com roteiros originais, conforme pesquisa da FX Research.
A luta dos streamings para alcançar a rentabilidade resultou em menos conteúdo novo e exclusivo, afetando a oferta de programação.
Ao mesmo tempo, as plataformas de streaming estão aos poucos deixando de serem as queridinhas dos assinantes, que sentem os efeitos da queima de dinheiro de forma desenfreada no entretenimento doméstico.
Pesquisas diversas como as promovidas recentemente pela TiVo e Whip Media mostram que a satisfação com a qualidade do conteúdo dos serviços de streaming tem caído consistentemente nos últimos dois anos.
E isso está acontecendo de forma generalizada. Os assinantes de serviços tanto com quanto sem anúncios relatam essa insatisfação.
Esses mesmos assinantes estão entendendo que estão pagando mais caro para receber uma qualidade de serviço cada vez pior.
Ao mesmo tempo, as séries já encerradas e lançadas nos últimos 10 anos estão no topo de audiência das plataformas, mostrando que a percepção de queda de qualidade também está na produção televisiva.
Ou seja, as novas produções que chegam nas plataformas não geram o mesmo impacto junto ao público, o que reforça o desinteresse do público pelas novas histórias.
Por que isso está acontecendo?
Além da redução dos gastos com produção, o aumento de preços das plataformas e a degradação da qualidade dos serviços, as greves de roteiristas e atores em 2023 afetaram o lançamento de novos conteúdos, com atrasos nas produções.
A previsão é que a indústria volte a investir gradualmente, mas com foco em produções mais seletivas e menos onerosas. Um claro exemplo disso é “Agatha Desde Sempre” (Disney+), que possui um orçamento muito menor em comparação com as produções da Marvel Television, mas que tem claro foco no roteiro bem desenvolvido.
Enquanto isso, plataformas menores como Apple TV+ e Peacock estão aumentando a satisfação dos assinantes ao melhorar a qualidade e a diversidade de conteúdo, em contraste com as gigantes do setor (Netflix e Disney+, principalmente), que estagnaram ou registraram quedas nas avaliações dos assinantes.
De um modo geral, as empresas de streaming estão pressionadas a cortar custos e ainda lidando com inflação e aumento nos preços de produção. Neste cenário, encontrar formas de melhorar o conteúdo sem elevar os gastos é um desafio.
E a única medida plausível para os serviços de streaming fecharem as contas neste momento é o aumento dos valores de mensalidades, ou a veiculação de publicidade nos planos mais baratos.
E as duas medidas estão irritando os assinantes. Cada vez mais.
Outras alternativas aparecem nas plataformas, que apostam em estratégias diferentes.
A Netflix, por exemplo, está se movendo para valorizar mais o engajamento do público do que o simples número de assinantes. O tempo gasto pelos usuários assistindo a conteúdo se torna uma métrica mais importante para os investidores e anunciantes.
O que faz sentido, já que a publicidade é a melhor maneira de evitar o aumento de mensalidade. Mesmo que isso seja um paradoxo para o assinante, que já está pagando pelo serviço.
E ninguém gosta de pagar para ver propagandas.
Também é preciso considerar a possibilidade de um maior equilíbrio entre produções originais e conteúdos de outros serviços.
A competição mais acirrada no mercado de streaming pede essa diversidade de conteúdo para alcançar o grande público.
E no Brasil?
No Brasil, o cenário não é muito diferente.
As principais plataformas de streaming (Netflix, Prime Video, Disney+ e Apple TV+) implementaram aumentos de preços que variam entre 40% e 50% em relação aos valores anteriores.
Por exemplo, a Netflix aumentou seu plano padrão de R$ 39,90 para R$ 44,90 por mês, enquanto o Disney+ passou a cobrar R$ 43,90 mensais no seu plano mais básico.
Os custos mensais para o consumidor ultrapassam com sobras os valores que antes eram pagos pela TV por assinatura tradicional.
Para assinar todos os planos Premium das plataformas de streaming, o brasileiro pode ser obrigado a pagar até R$ 368,89 por mês.
Algo totalmente inviável e inconcebível.
O resultado disso é o abandono do usuário brasileiro à múltiplas plataformas. Uma pesquisa indicou que mais de um quarto dos assinantes pretendem cancelar pelo menos uma assinatura devido à percepção de que o conteúdo disponível é pouco relevante ou satisfatório.
A própria concorrência entre as plataformas e a sensação de sobrecarga causada pela vasta quantidade de opções disponíveis reforçam a insatisfação do assinante.
A maioria vai naturalmente procurar por opções mais econômicas, que oferecem uma melhor relação custo-benefício. E a pressão financeira resultando dos aumentos de preços resultam na natural mudança de comportamento dos usuários em relação ao streaming.
No final, é o dinheiro – sempre ele – quem manda. E as plataformas sabem disso.
Só não entenderam que o dinheiro do assinante passa bem longe de ser ilimitado.