Existe uma hierarquia nos smartphones, que não necessariamente se estabelece pelas especificações técnicas. O telefone com preço mais caro é o rei, e manda nos demais da manada com mãos de ferro. Ele é tão poderoso, que manda até no cliente mais ansioso.
O preço é o grande vilão desse reino de dispositivos móveis, pois escalou o monte Everest inflacionário, acabando com nossos bolsos e cartões de crédito. Em apenas três anos, testemunhamos uma inflação épica no setor.
Hoje, não dá para pagar menos que R$ 5 mil em um telefone top de linha.
O mais chocante de tudo isso é que, no meio desse caos financeiro, as marcas, muito astutas, tramaram a estratégia do paradoxo: “Vamos inflar os preços iniciais dos smartphones até as nuvens, para depois lançar ‘ofertas’ mirabolantes como ‘promoções de lançamento’”.
Ou seja, o preço real do produto, ou o valor que ele sempre deveria ter custado, é o da “promoção de lançamento”. Uma ilusão de ótica financeira, ou uma cortina de fumaça para esconder a ganância dos fabricantes.
Isso é feito para pegar os trouxas. E esse artigo existe para que você nunca mais seja um trouxa na vida.
Conheça a estratégia do “early bird”
Eu sei que você conhece o “early adopter”. Agora, é hora de conhecer o “early bird”, que é o “early adopter” otário e iludido.
E como eu sei que você não fez inglês no Yazigi como eu, vou explicar o que esse termo quer dizer, e o mal que ele pode fazer ao seu cartão de crédito.
Antes, entenda uma coisa: a Xiaomi é uma espécie de Robin Hood às avessas, pois ela popularizou o conceito do “early bird” no mercado de telefonia móvel.
O “early bird” é aquele usuário que se sente seduzido com os preços incrivelmente baixos de um produto, sai em disparada para comprar o dispositivo antes de todo mundo, e descobre pouco tempo depois que não pagou por um valor reduzido, mas sim no preço que o produto sempre deveria custar.
Um “early bird” sedento por dispositivos de tecnologia se comporta tal e como dependentes químicos em busca daquela substância mais forte que acabou de chegar no bairro.
Mas é ele quem mais paga caro por sua pressa, pois entende que aquele produto com preço de “lote de lançamento” não custava menos caro que ele pagou. Se esperasse a Black Friday, COM CERTEZA pagaria um preço promocional DE VERDADE.
O plano funciona, na maioria dos casos.
Os preços desses produtos que são inicialmente atraentes se revelam com o tempo como o verdadeiro Preço de Venda ao Público (PVP), mas só nos damos conta disso no final da janela de venda do telefone.
A lógica é bem astuta: fisgar as vendas iniciais com garras de águia, manter o preço inflado por meses a fio e, então, no crepúsculo do ciclo de vida do aparelho, reativar o interesse com descontos que mais parecem migalhas de pão jogadas aos esfomeados.
Até porque esses descontos são, de forma coincidente ou não, aqueles preços de lançamento que os poucos geeks early adopters pagaram para ter o produto antes de todo mundo.
Muito esperta, dona Xiaomi… muito esperta.
O duro é ver que o resto dos fabricantes seguiram o exemplo da Xiaomi, onde cada marca encontrou a sua própria variação da mesma estratégia.
Conforme os preços dos dispositivos continuavam sua escalada vertiginosa, as fabricantes, como camaleões em busca de sobrevivência, procuravam formas de tornar seus produtos mais apetitosos no lançamento.
A Realme copiou a Xiaomi sem qualquer tipo de pudor, com preços de lançamento mais baixos, como iscas para atrair os incautos trouxas.
Outras marcas, em um gesto de “generosidade” forçada, passaram a distribuir fones de ouvido ou relógios inteligentes como brindes, como quem joga joias falsas para distrair a multidão de otários.
Não é mesmo, dona Samsung?
E a Honor então?
A Honor foi além na arte da manipulação da própria narrativa: carregadores “de presente”, serviços de substituição que ninguém entende bem o que são, capas protetoras que você provavelmente nunca usará e cupons de desconto!
Um verdadeiro megazord de “vantagens” que, no fundo, nada mais eram do que itens que estavam embutidos no preço final do produto.
E nada mais.
Mas o absurdo vem agora
A completa ausência de lógica está na relação de preços dos smartphones de luxo (que estão acima dos modelos top de linha, mesmo que sejam tecnicamente mais fracos em alguns casos), que está no status de absurdo completo.
É até razoável ter uma promoção de lançamento com um preço que é, pelo menos, 20% menor que o oficial nos telefones intermediários. Meio esquisito, é verdade, mas minimamente aceitável.
Mas no reino dos smartphones premium, a coisa descambou para o ridículo. Os fabricantes, presos a uma “obrigação” autoimposta, sentiam que precisavam lançar seus produtos com um Preço Sugerido ao Público (PSP) simplesmente estratosférico.
E agora, a gente descobre que esse movimento de inflar os preços dos telefones premium nada mais é do que puro marketing, uma encenação de valor que nada tinha a ver com o preço real dos produtos.
E tudo isso, para tornar o dispositivo em questão mais mediático e cobiçado pelo consumidor médio, inflando as vendas pela combinação desses fatores.
“Se os celulares de referência custam R$ 10 mil, o nosso não pode custar R$ 7 mil!”, decretavam algumas marcas com um sorriso malicioso no rosto… mesmo que os escassos R$ 7 mil fosse, em seus corações, o preço justo.
O que testemunhamos no atual cenário dos smartphones mais caros do mercado é um palco de um autêntico Freak Show, com cenas simplesmente surreais: smartphones que custam R$ 9.999, com cupons de desconto de R$ 2.000, combinando com fones de ouvido de R$ 549 e relógios inteligentes que custam R$ 1.249.
Não seria mais fácil cobrar logo os R$ 6 mil que esse smartphone realmente vale?
Um dos casos mais bizarros lá fora é o do Vivo X200 Pro, lançado a 1.299 euros e, uma semana depois, “milagrosamente”, teve o seu preço “reduzido” para 1.199 euros.
Desconto? Que desconto?
Era apenas o preço real se revelando.
Não existe milagres. Existe uma calculadora funcionando, isso sim. No máximo uma planilha do Excel com as estratégias de preços.
Agora… pense nos pobres coitados que compraram o Vivo X200 Pro na primeira semana de lançamento descobrindo que viraram cornos da própria marca por causa de um desconto de 100 euros aplicado na semana seguinte.
Humanidade… o que aprendemos aqui?
Todos nós fomos atirados em um mercado onde os preços oficiais viraram peça de ficção. Estamos reféns de estratégias dos fabricantes que estão buscando o lucro a todo custo, e apelaram para a distorção de narrativa para arrancar o dinheiro de quem não está atento para esses movimentos.
Não são ofertas. São ilusões, miragens em um deserto de uma inflação artificial.
Nunca foram descontos de verdade, mas sim ajustes calculados para atingir o valor que os produtos sempre deveriam ter tido.
E o que nos resta diante de tudo isso?
Navegar por milhares de páginas web lotadas de promoções enganosas, mas agora munidos de faro de detetive, olhar clínico para as ofertas e, por que não dizer uma paciência de monge, em busca de uma oferta de verdade, que mereça receber o nosso suado dinheiro nosso de cada dia.
A obrigação do consumidor moderno é procurar pelas promoções, sim, mas com enorme ceticismo. Esperar semanas, meses talvez, e observar a dança dos preços até que eles finalmente se estabilizem na faixa real, a que realmente importa.
Aquela faixa de preço que é justa, e que vale a pena pagar por aquele telefone que você tanto quer.
Preste atenção no que vou dizer, amigo leitor…
NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM COMPRE UM SMARTPHONE PELO SEU PREÇO DE LANÇAMENTO!
Tenha cautela na hora de aproveitar uma oferta de lançamento de um produto, ou tenha a sabedoria (e até o bom senso) de esperar o preço baixar. Acompanhe a saga do preço inicial até que ele revele seu valor verdadeiro. Isso sempre acontece com o passar do tempo.
Eis as armas do consumidor esperto nesse mundo de descontos tão verdadeiros quanto a Grávida de Taubaté.