Quando comecei a utilizar celulares no final dos anos 90 e começo de 2000, a Nokia era líder indiscutível de mercado, e o Nokia 1100 era o meu dispositivo de uso pessoal. Sim, amigo leitor: eu tive o telefone mais vendido da história.
A grande maioria das pessoas ao meu redor também contava com um Nokia como celular, e o mítico Snake (aka “jogo da cobrinha”) era onipresente nas filas de bancos e escolas.
Mal dava para imaginar que já na década seguinte (2013) a Nokia perderia o protagonismo do setor. E até hoje tentamos entender o que aconteceu, mesmo sabendo o que foi que deu errado.
A ascensão de um gigante
Os mais jovens não fazem ideia do quão dominante era a Nokia naquela época.
A empresa finlandesa nasceu em 1865, e já era uma gigante antes de entrar no mercado de celulares. Inicialmente operou na produção de papel, e só ingressou no mundo da tecnologia na década de 1960.
Os primeiros celulares da Nokia chegaram ao mercado no final da década de 1990, e rapidamente tomou o mercado de assalto.
O crescimento exponencial chamou a atenção de ninguém menos que Bill Gates que, em 1998, entrou em contato com a Nokia para propor um ecossistema móvel em conjunto com a Microsoft.
O plano não deu certo inicialmente, mas seus caminhos iriam se cruzar 15 anos depois.
Para dimensionar melhor essa dominância da Nokia, o já mencionado Nokia 1100 é o celular mais vendido da história, com mais de 250 milhões de unidades.
A segunda posição do ranking também é da Nokia, com uma variante do campeão de vendas, o Nokia 1110, que vendeu 247,5 milhões de unidades.
Quatro dos dez telefones mais vendidos da história são da Nokia. E… antes que você me pergunte… sim… os outros seis são iPhones.
Agora, eu sei o que você está perguntando neste momento: “Como uma empresa com essa dominância se tornou irrelevante?”.
Bom… o início do fim da Nokia começou com um iPod, um telefone celular e um dispositivo de internet.
A queda da Nokia
A culpa não foi só do iPhone.
Na verdade, a Nokia foi vítima de fatores combinados que começaram com o lançamento do iPhone em 2007. Na sequência, o Android chegou ao mundo em 2008, e potenciou essa queda.
E a própria Nokia tomou decisões desastrosas por conta própria, que resultaram no seu desaparecimento cinco anos após Steve Jobs apresentar ao mundo o smartphone que mudou tudo.
A chegada das interfaces com tela sensível ao toque e interface mais intuitiva e amigável contrastava com o que a Nokia apresentava naquele momento com o Symbian.
E a fabricante finlandesa demorou demais para responder à Apple e Google, não reconhecendo que o mundo não queria mais os teclados físicos.
A BlackBerry sabe muito bem do que estou falando.
A Nokia insistiu com o Symbian até 2010, quando Stephen Elop chegou ao posto de CEO e compartilhou o hoje histórico memorando onde manifestava a sua frustração com o status da empresa em 2011.
“O primeiro iPhone foi lançado em 2007 e ainda não temos um produto que se aproxime de sua experiência. O Android apareceu há pouco mais de dois anos e recentemente nos ultrapassou em volume de smartphones. Incrível.”
Elop entendia que a batalha também estava no ecossistema de produtos, nos aplicativos e no convencimento dos desenvolvedores, e não apenas no sistema operacional.
Por isso, fechou um acordo com a Nokia para que os smartphones da empresa recebessem o Windows Phone. E dessa forma, a linha Nokia Lumia nasceu.
O Google chegou a abordar a Nokia para uma parceria, mas Elop optou pelo Windows Phone no lugar do Android para evitar que um duopólio com o iOS acontecesse.
Uma decisão que o tempo mostrou que foi bem infeliz.
A linha Nokia Lumia contava com smartphones excelentes, como os modelos Lumia 920 e Lumia 1020. Design refinado, câmeras espetaculares e enorme autonomia de bateria eram as marcas registradas dos dispositivos.
Mas nada disso impediu o temido duopólio entre iOS e Android, e a aventura do Nokia Lumia terminou em um verdadeiro desastre.
Em setembro de 2013, a Nokia vendeu a sua divisão móvel para a Microsoft, apenas um ano depois do lançamento do Lumia 920.
Nas mãos da Microsoft, a Nokia ainda lançou telefones interessantes, como o Lumia 925 e o Lumia 520, além de buscar o status de ecossistema com o Windows 8.
Obviamente, não deu certo.
A Microsoft vendeu a Nokia em maio de 2016 para a HMD Global, empresa que tentou até 2024 devolver para a marca o status que ela teve no passado.
Mas nem mesmo o prestígio e a nostalgia fizeram com que a Nokia voltasse a ganhar a devida relevância junto ao grande público. Tanto, que a HMD Global decidiu que seus smartphones receberiam marca própria, abandonando os planos iniciais de recuperação da marca finlandesa.
Agora, a marca Nokia está relegada aos relançamentos das versões de telefones clássicos, como o Nokia 105 e o Nokia 3210. O recém-lançado HMD Skyline, que é a cara do Lumia 920 e se destaca pela capacidade de reparação, já faz parte da nova estratégia da empresa.
Os mais nostálgicos queriam uma Nokia forte e relevante, mas… no fundo, queriam uma empresa que simplesmente morreu para nunca mais voltar.
Hoje, temos um mercado controlado por Apple, Samsung, Xiaomi, Vivo, Transsion, Huawei e outras. E a Nokia de hoje não é nem mesmo um rascunho do que foi um dia.
Uma pena.